sábado, 29 de agosto de 2015

Desculpe, mas por que Jesus é branco?

5 de janeiro de 2015

Enquanto criança, frequentei escolas cristãs. Essas instituições eram boas. Os professores eram duros, mas atenciosos. Me lembro de uma Sra. Lobo que constantemente tentava me despertar para os estudos. Ela e minha mãe ambas ficavam frequentemente decepcionadas comigo porque eu falta às aulas para brincar. Uma vez eu saí de uma prova na metade porque eu estava entediado. Tanto a Sra. Lobo quanto minha mãe ficaram muito aflitas. Numa determinada ocasião, provoquei ainda mais dor à Sra. Lobo.

Durante o culto na igreja, de manhã, aprendemos que Jesus nasceu em Belém. De volta à escola, eu perguntei à Sra. Lobo onde ficava Belém no mundo. Ela respondeu: Palestina. Naqueles dias, as fotos de Yasser Arafat, chefe da Organização pela Libertação da Palestina (OLP), frequentemente apareciam nos jornais indianos. Meu pai deve ter me mostrado uma foto de Arafat e mencionado para de onde ele vinha. Então, eu proferi: "Desculpa, senhora, mas por que Jesus é branco? Por que ele não se parece com Yasser Arafat?". É suficiente dizer que a Sra. Lobo não conseguiu responder à pergunta.


Os conquistadores carregam a cruz

No primeiro dia de 2015, não pude deixar de observar que a matéria mais lida no site do The Economist era "Na trilha de Hernán Cortés". O correspondente traçou a jornada de cinco séculos atrás de Cortés e escreveu um relato esplêndido do conquistador. Como era de se esperar de uma publicação nascida no auge do Império Britânico, a matéria narra um conto triunfante:

"Foi aqui onde uma das maiores expedições militares da História começou: A marcha de Hernán Cortés em 1519-20 do Golfo do México até Tenochtitlán, sede do Império Azteca. Os historiadores ligam-na à conquista da Gália por Júlio César. Seu protagonista, um astuto de 34 anos de idade com quase nenhuma experiência militar, liderou cerca de 500 homens e apenas uma dúzia de cavalos em territórios cujos guerreiros sanguinários excediam em número os seus. Ele explorou fervilhantes rivalidades tribais para conquistar uma civilização—embora com a ajuda da pólvora, da varíola e de sua astuta amante índia. Por vezes, ele se valida da injúria; em outras, da crueldade. Ele mantinha um olhar em seu lugar na História—e também nas mulheres. Seus soldados não apenas subjugaram os povos que conquistaram. Desde o início, eles se misturaram com os índios também, criando uma raça mista através da mestiçagem, com uma língua e uma religião próprias que definem o México atualmente".

A conquista definiu a história da humanidade, mas o que é mais interessante na matéria do The Economist é a história sobre o episódio em que Cortés recebeu oito nobres como escravas. Ele só estava disposto a aceitar o presente se o rei se tornasse cristão primeiro. Gêngis Khan saqueou, pilhou, estuprou e massacrou, mas não teve a arrogância de salvar as almas dos conquistados. Ele não era santimonial como os homens brancos da Europa que foram conquistar terras estrangeiras em nome do ouro e de Deus.

Eu nasci em Vasco da Gama, uma cidade portuária nomeada em honra ao explorador português que velejou para a Índia em 1498. Ele é glorificado como um herói épico em Os Lusíadas, um clássico português, e há uma igreja que leva seu nome em Kochi. O que é convenientemente esquecido sobre ele é o fato de que ele matava por prazer e uma vez queimou 400 peregrinos muçulmanos que estavam a caminho de Meca. Nem mesmo as mulheres foram poupadas. Seus esforços de oferecer as joias em troca da vida não funcionou. Mesmo quando elas levantaram seus bebês e imploraram por misericórdia, o bom e velho Vasco não se sensibilizou. Ele queria encontrar cristãos na Índia para destruir o Islã.

As igrejas na América Latina e em Goa foram construídas pelos espanhóis e pelos portugueses. O cristianismo foi imposto pelo tambor da arma, embora os missionários tenham tido um papel significativo. Tanto os espanhóis quanto os portugueses perseguiam não só as outras religiões como os cristãos não-católicos. Hoje as pessoas que foram colonizadas perderam suas culturas nativas, seus mitos e suas identidades. Mais importante de tudo, nas ex-colônias espanholas e portugueses, Jesus é quase invariavelmente branco.

O cristianismo muscular, a Mission Civilisatrice e todo o resto

Os britânicos e franceses não estavam tão interessados em salvar almas quanto os espanhóis e portugueses. Ainda assim, percebiam-se como nações cristãs civilizadas. Popularizada pelo advogado T.C. Sandars, o "cristianismo muscular" é a ideia predominante na Inglaterra vitoriana de que os homens fortes de Deus deveriam civilizar os nativos. A imagem do inglês viajando pelo mundo com um rifle numa mão e uma Bíblia na outra foi popularizada por J.G. Cotton Minchin. As escolas públicas britânicas, que na verdade são escolas privadas para os bem-nascidos, foram infundidas por este ideal. Cotton Minchin não esteve tão distante da realidade ao escrever: "Se perguntarem o que o cristianismo muscular fez, apontamos para o Império Britânico".

A ideia francesa de mission civilisatrice baseava-se no conceito de que o cristianismo era superior. A conversão não era essencial como para os regimes espanhóis ou portugueses, mas era preferível. Assim como o vestido europeu e a língua francesa, era uma marca da civilização. É desnecessário dizer que tanto os britânicos quanto os franceses construíram igrejas onde Jesus era branco.

Yasser Arafat na capa da revista Time em 1974.
Durante minhas palestras, geralmente pergunto aos africanos das ex-colônias anglo-francesas se Jesus é branco. Um devoto estudante nigeriano de Berkeley, a quem dei aula no ano passado, confessou estar perturbado com a questão. Ele me disse: "É o que Jesus representa que importa, não sua cor". Eu observei ironicamente: "Então qual é o problema dele ser negro?". Como a Sra. Lobo, ele não conseguiu me responder.


Sim, Jesus deveria se parecer com Yasser Arafat

Para os cristãos, Jesus é assumido como o filho de Deus. Se ele é branco, então significa que Deus é branco? Michelângelo Buonarroti, o insaciável gênio gay, pintou um resplandecente homem branco idoso criando um atrativo homem branco no teto da Capela Sistina. Qualquer católico que vê a imagem é levado a acreditar que Deus e Adão eram homens brancos. É desnecessário dizer que Jesus também. Roubando as palavras de Cecil Rhodes, o ladrão transformado em filantropo no século XIX, os homens brancos ganharam o primeiro prêmio na loteria da vida.

A religião, em seu melhor aspecto, oferece um repositório para a tradição, um locus para a comunidade e um crisol para a espiritualidade. O cristianismo não é exceção. Houveram incontáveis cristãos devotos como a Sra. Lobo que foram excelentes seres humanos com um profundo espírito de serviço. A noção do Novo Testamento de dar a outra face é, sem dúvida, nobre. O Jesus histórico era um judeu galileu nascido na atual Palestina. Definitivamente, em 2015, ele deveria começar a se parecer com um palestino.

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