segunda-feira, 26 de outubro de 2015

A eleição sem fim

Esse final de semana a eleição presidencial brasileira de 2014 completou um ano. No entanto, a eleição ainda não acabou. Findada a eleição, a campanha de Dilma Rousseff desativou seus perfis – oficiais e semioficiais – nas redes sociais e logo sua militância se dispersou. No campo oposicionista, no entanto, a campanha não findou. A militância tucana continuou ativa contra Dilma e o PT nas redes sociais e o partido, jogando o que ainda restou de sua credibilidade de lado, começou a ouvir a parte mais radical de seu eleitorado e passou a atuar de forma estapafúrdia para impedir a posse e o governo da presidenta democraticamente reeleita em 1° de janeiro de 2015.

Quatro dias após o término da campanha, o PSDB pôs em dúvida a credibilidade da própria Justiça Eleitoral, pedindo uma recontagem dos votos. A base para essa acusação gravíssima contra os responsáveis pela fiscalização do processo eleitoral brasileiro – base da nossa democracia – foram “os comentários da população em redes sociais”. A reprimenda foi dura. O Tribunal Superior Eleitoral (TSE) concedeu os resultados da eleição para o PSDB, afirmando que se o partido está insatisfeito com a apuração, que ele mesmo faça a recontagem dos votos. É um questionamento esperado em Repúblicas das Bananas como Honduras, Paraguai ou Haiti, mas não num país onde já se vota ininterruptamente há mais de 30 anos.

Dilma tomou posse normalmente em 1° de janeiro. Nesse momento, a própria presidenta contribuiu para a desintegração da base social que a reelegeu ao anunciar reformas nas contrapartidas utilizadas pelo governo para conceder benefícios previdenciários. Anunciou também a nova equipe econômica de seu novo governo; saía o keynesiano Guido Mantega e entrava o Chicago boy Joaquim Levy. Logo começou a impôr-se uma política aecista de austeridade fiscal que corroeu ainda mais a base de apoio ao governo, sobretudo no movimento sindical. Talvez Dilma pensou que conteria a oposição se agisse como ela. Enquanto isso, esta última, ainda mobilizada, organizava seu primeiro ato eleitoral fora de época: os protestos de 15 de março.

Quando um milhão de pessoas saíram às ruas – em sua maioria eleitores de Aécio indignados com o resultado da democracia e alguns poucos que se sentiram traídos pela presidenta –, o PSDB e os partidos de sua órbita já tinham um novo mote de campanha: o impeachment. O impedimento de um presidente só pode ser realizado mediante da comprovação de que o mandatário tenha cometido um crime durante o exercício de sua função. Como, por exemplo, a compra de deputados por 200 mil reais por Fernando Henrique Cardoso para que a emenda da reeleição fosse aprovada. Dilma Rousseff, apesar da política econômica desastrada que insiste em levar a cabo, talvez seja a presidente mais honesta de toda a história do Brasil.

A crise que ela vive é, em parte, devido a sua intolerância com a corrupção peemedebista. Em vez de apoiar o suspeitíssimo Eduardo Cunha quando este lançou sua candidatura à presidência da Câmara dos Deputados, Dilma preferiu lançar seu próprio candidato, o que desgastou sua relação com o PMDB. E embora a narrativa oficial é de que a roubalheira na Petrobras tenha começado durante os governos petistas, o próprio Fernando Henrique Cardoso, em livro recém-lançado, cita que foi alertado por Benjamin Steinbruch, dono da Companhia Siderúrgica Nacional e membro do conselho de administração da Petrobras, sobre os problemas da estatal. E confessa que não fez nada para acabar com eles. Dilma, por outro lado, demitiu Paulo Roberto Costa – nomeado por Fernando Henrique em 1995 – e Renato Duque da estatal.

Já que ficou impossível comprovar ligação direta da presidenta com o escândalo da Petrobras, ficou acertado então que seria buscada outra justificativa para o pedido de impedimento. A oposição decidiu, então, esmiuçar as contas do governo Dilma e descobriu as famosas “pedaladas fiscais”, que virou palavra-chave na boca de nove em cada dez aecistas. Trata-se de um mecanismo utilizado por todos os governos; quando falta verba para uma determinada área (no caso o Bolsa Família), o governo pega um empréstimo com um banco estatal e depois ressarce o mesmo. Só que no caso do exercício fiscal de 2014 o valor teria sido mais elevado do que nos anos anteriores. Pode até ser algo imoral, mas não é ilegal.

De qualquer forma, não é possível impedir um presidente em exercício por fatos ocorridos no mandato anterior. Dessa forma, a oposição aguarda ansiosamente pela próxima “pedalada”. O ano de 2014 na política se resumiu à oposição fazendo campanha em ano não-eleitoral e testando os meios existentes para derrubar Dilma e, por conseguinte, as próprias instituições democráticas do Brasil. Só que enquanto as instituições discutem o impeachment, soluções políticas importantes para os problemas do país deixam de ser discutidas. Esse deve ser, sem sombra de dúvida, o Congresso com menos propostas aprovadas de toda a história. A proposta da maioria de seus membros é uma não-proposta: dificultar que uma presidenta eleita por mais de 54 milhões de pessoas possa governar. 

Por ora, a notícia de que o presidente da Câmara dos Deputados possui contas não-declaradas na Suíça arrefeceu um pouco os ânimos golpistas. Pela primeira vez em quase dois anos, as acusações contra políticos do PT – e somente do PT – deixaram de ser o foco das atenções. De certa forma, considero até como algo positivo. O Ministério Público da Suíça, que não é afetado por petismos ou tucanismos como o nosso, ajudou a comprovar a tese de que o problema da corrupção brasileira não está restrita a um único partido, mas é a força que move todo o sistema político. Não se sabe ainda que fim o affair Cunha vai levar, mas por ora ele deixou em suspenso o ano eleitoral mais longo da história brasileira.

Afinal, pegou mal para todos aqueles que se voltavam para Cunha como o redentor que livraria a nação brasileira da corrupção petista – e somente petista. Embora esse ano tenha sido um desastre para a política, tenho esperanças de que o ano que vem, com as primeiras eleições sem a influência do dinheiro nas campanhas, reafirmará a vocação democrática do Brasil. O TSE deve se posicionar em relação aos três processos do PSDB que pedem a cassação da chapa Dilma/Temer – sob influência da máquina peemedebista, que compõe governos federais desde 1985¹ – e as Olimpíadas inviabilizarão um golpe de Estado. O COI é criticado sempre que sedia jogos em países não-democráticos, da Alemanha nazista à China comunista.

Mas a oposição vai continuar tentando derrubar Dilma. Ela não dá conta de justificar a seus financiadores – locais e, sobretudo, internacionais – o porquê de receber o tanto de dinheiro que recebe sem estar no governo. Em seu patético voto a favor do financiamento privado de campanha, o ministro do Supremo Tribunal Federal Gilmar Mendes acusou a proposta de ser uma tentativa de favorecer o PT, pois, segundo ele, o PT consegue organizar melhor sua militância do que os demais partidos. O que ele quis dizer, na verdade, é que sem dinheiro a oposição não existe. Não conseguem pôr pessoas nas ruas sem pagá-las para tal. E são essas pessoas que querem a saída de Dilma Rousseff. Porque com certeza elas defenderão o povo brasileiro!


¹ A máquina peemedebista influenciou o TSE a cassar o finado Jackson Lago (PDT) e a empossar Roseana Sarney (PMDB) como governadora do Maranhão.

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