Estou cada vez mais convencido de que a comunidade LGBT espera que eu fique com gente que não me atrai para que eu possa provar que sou um cara legal. Isso é algo corriqueiro na vida das mulheres. Se a mulher é julgada por ficar com qualquer um, ela também é julgada por ser seletiva demais e não ficar com qualquer um. Ela é “fútil” se procura um cara com aparência que lhe agrada, é “difícil” se procura um relacionamento que vá além do sexo rápido, é “careta” se busca um homem de nível intelectual elevado, é “interesseira” se procura um cara com uma cerreira já estabelecida e, o mais clássico de todos, é “chata” se não ficou com o menos atraente do grupo de amigos por nada além de piedade. No final das contas, a mulher vai ser julgada e rotulada de qualquer jeito, seja por fazer ou por deixar de fazer sexo. O ambiente da comunidade LGBT em que estou inserido – o dos homens gays cisgêneros – microcosmo que é da nossa sociedade machista emula entre seus membros o preconceito socialmente aceito contra as mulheres, com todos seus rótulos. Este preconceito não deveria sequer existir quanto menos ser aceito, mas é, tanto quanto o preconceito contra os LGBTs, cuja existência nos irrita profundamente. No final das contas, o feminismo é uma luta válida tanto para desconstruir e questionar o discurso de homens héteros quanto o discurso de homens gays.
Ontem eu recebi uma mensagem superagressiva de uma pessoa que sequer conheço pessoalmente num aplicativo de relacionamentos. Agora é a hora de culpar a vítima para quem assim desejar: “Mas também, o que você faz nesses aplicativos?”. Estou lá porque gosto, porque me ajuda a quebrar a minha timidez e porque já conheci muita gente legal através dessas ferramentas. Voltando à história da agressão: Primeiro o cara se aproximou de mim de maneira bastante vulgar, oferecendo sexo. Diante da minha recusa, porque não estou ali para anunciar meus serviços sexuais (nada contra quem esteja) e sim para buscar amizades e talvez um romance, ele ficou com raiva de mim. Atitude típica dos machões de internet, todos muito corajosos on-line. Aí ele disse que eu já tinha combinado de me encontrar com ele no passado (oi?!?), mas que eu não compareci porque eu sou “fútil” e só quero me relacionar com homens bonitos. O irônico é que quem leva mais bolo do que tudo nessa cidade sou eu. Tenho um cupom de cinema vencido que prova isso. E se eu realmente tivesse feito isso – marcado e não comparecido – não teria sido de propósito. O bolo que eu teria dado nele seria, segundo o mesmo, prova do meu “mau caráter”. Mas eu acho que o ocorrido revela mais sobre o caráter dele do que sobre o meu, porque eu não agrido quem não quer ficar comigo. Não quero obrigar ninguém a se sentir atraído por mim. A culpa não é minha de não tê-lo achado atraente.
Eu sei que beleza é um conceito socialmente construído pela mídia hegemônica, representação fiel de seus donos (brancos) e não da maioria da população (negra e mestiça), que as revistas e os anúncios constroem corpos inatingíveis em programas de edição de imagens, que a nossa sociedade busca freneticamente a magreza como ideal de beleza, etc. Mas não preciso sair beijando na boca de quem não me atrai para provar que não me pauto pelas construções midiáticas de beleza. Militância é militância e amor é amor. Por mais que os discursos dos líderes evangélicos digam o contrário, o amor não é um ato político. Quem é que consegue explicar por que a gente se sente atraído (e depois se apaixona) por uma pessoa e não por outra? É devido a uma série de fatores: a abordagem, a apresentação física, a conversa, o tratamento recebido, etc. Já dispensei caras bonitos – alguns até mais bonitos do que eu – porque eles não conseguiam me tratar com respeito, porque não tinham cuidado com a higiene pessoal, porque não tinham um papo interessante, porque não respeitavam o meu ritmo ou porque não eram inteligentes. Se você se julga em desvantagem por algum motivo, não há nada que uma boa abordagem não resolva. E se mesmo após a sua melhor cantada a pessoa não ficar atraída por você, não se martirize nem agrida a pessoa. Não seja um escroto, as razões pelas quais o outro não quis ficar com você não são da sua conta. Às vezes é preferível nem sabê-las.
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