terça-feira, 17 de novembro de 2015

Sex and the (small) city

Eu sempre achei que quando saísse do armário, minha vida seria glamourosa como a dos personagens do seriado Queer as Folk. No entanto, não moro em Pittsburgh, na América do Norte protestante. Moro em  Goiânia, na América do Sul católica e o que move o catolicismo romano é a hipocrisia. No protestantismo não-pentecostal, religião predominante na América do Norte, a ênfase teológica dada à remissão dos pecados é menor. E o conjunto de dogmas, verdades universalmente aceitas pelos membros da igreja, é menor. Já no catolicismo romano, para conseguir equilibrar a natureza humana com o complexo conjunto de regas da Igreja, os fiéis normalmente recorrem à hipocrisia. Afirmo sem medo de errar que a maioria dos padres católicos ou tem família secreta ou são homossexuais em conflito com sua própria sexualidade. Da mesma forma que uma pesquisa realizada há algum tempo revelou que a maioria absoluta das mulheres que já praticaram aborto no Brasil era católica romana. Todo mundo sabe que homossexualidade e aborto são pecados para a Igreja de Roma.

Falar de sexo no almoço? Não pode, aqui o sexo é banido
da sociedade e só pode existir nos motéis das BRs.
Pois bem, moro na América do Sul, numa cidade onde a maioria das pessoas são católicas ou evangélicas pentecostais, grupo esse que consegue lidar com as questões relacionadas à sexualidade de maneira ainda pior que o catolicismo, pois prega o retorno à maneira de viver do século I, quando Jesus e seus discípulos caminharam sob a terra. Ou seja, vivo numa sociedade onde a relação das pessoas com o sexo é complicadíssima. A busca pelo sexo – tão natural que está presente em qualquer cachorro de rua – é reprimida por um conjunto de normas sociais hipócritas. O sexo não é visto jamais como dádiva, mas como um pecado tão horrível que deve ser cometido o mais distante o possível dos olhos da sociedade. Não é por acaso que Goiânia seja a cidade do Brasil (talvez até do mundo) com o maior número de motéis per capita. Um dia desses fui alertado por um pretendente de que se eu dormisse com ele no primeiro encontro, a visão dele sobre mim mudaria. Não me importei com a ameaça, pois isso revela mais sobre o caráter dele do que sobre o meu. E eu achando que só as mulheres precisavam se preocupar com a distinção "para casar" x "para comer".

O conservadorismo sexual do goianiense não cansa de me surpreender de maneira negativa, em especial nos ambientes frequentados por membros da comunidade LGBT. Eu imaginava que o ambiente LGBT fosse um de respeito à individualidade e à liberdade sexual de cada pessoa – e não um de reprodução dos valores conservadores produzidos no seio do resto da sociedade, machista, misógina, homofóbica e racista, que nos divide em grupos e nos julga com base em uma de nossas muitas características pessoais. Ledo engano meu. Microcosmo que é da sociedade em geral, a comunidade LGBT reproduz os valores machistas desta entre seus membros. É comum ouvir gays julgando outros gays devido à quantidade de parceiros sexuais que estes últimos possuem. É ridículo, para não dizer contraditório, que membros de um grupo social que vive empunhando a bandeira da liberdade façam isso. Exigem respeito do resto da sociedade, mas se discriminam uns aos outros dentro da comunidade, num ato que daria orgulho a Jair Bolsonaro. Costumo repetir que desde que saí do armário passei a entender melhor o feminismo e simpatizar-me ainda mais pela causa.

Não gosto de me envolver com pessoas de Goiânia. Por outro lado, me dou muito bem com pessoas oriundas de estados litorâneos. Elas me seduzem facilmente – afinal, o sexo é natural para elas – e, quando percebo, estou fazendo com elas coisas que jamais me permitiria fazer com os caras daqui. Eu e minhas amigas chegamos ao consenso de que o homem goiano é machista e recatado ao mesmo tempo. Não sabe "chegar" e, quando "chega", exige o cumprimento de uma série de regras sobre o que se pode ou não fazer na cama (como o exemplo já dado do sexo no primeiro encontro) que fariam todo o sentido do mundo durante a época do Império, mas não no século XXI, onde existem preservativos, pílulas anticoncepcionais e pílulas do dia seguinte – itens que, se Deus quiser, continuarão sendo distribuídos de graça pelo governo a despeito das intenções de Eduardo Cunha e seus asseclas, muitos dos quais são produtos do eleitor goiano. Goiás, terra da repressão sexual, enviou a Brasília o deputado autor do projeto de lei que, se aprovado, permitirá que psicólogos conduzam a terapia de "reorientação sexual" em seus pacientes.

A corte funcionou tão bem para os ingleses da Era Georgiana,
por que não reproduzi-la no Brasil de 2015?
O povo brasileiro, de maneira geral, é um povo sexualmente reprimido. E isso tem razão de ser na nossa História. Como meu pai gosta de repetir, o povo brasileiro é fruto do estupro de índias e negras. Um povo estuprado é um povo reprimido. Mesmo assim, há lugares onde a repressão é menor. A primeira vez que fui no Recife fiquei impressionado, para não dizer assustado, com o vibrante clima sexual da cidade. No Rio, idem. Se aqui é "feio" transar com quem você quer, nesses locais não parece ser o caso. Aqui em Goiânia mesmo que ambas as partes estejam interessadas, devem esperar até o terceiro encontro para fazer sexo para não parecerem "fáceis" demais. Queria estar em Sex and the City. mas estou preso no filme Orgulho e Preconceito, a mais bela história de amor onde os protagonistas sequer se beijam. Afinal, aquela era a época da corte, que as diversas igrejas neopentecostais de Goiânia não só tentam reproduzir como inculcam nas mentes de seus fiéis. A jihad evangélica está criando uma geração de pessoas tão sexualmente frustradas quanto os muçulmanos radicais que colocam burcas em suas esposas.

Apesar da rápida neopentecostalização de Goiânia, não creio que a rígida (e hipócrita) moral religiosa predominante na cidade seja a única explicação para a repressão sexual de seus habitantes. Afinal de contas, a maioria das pessoas na liberal Nova York de Carrie Bradshaw pertencem a uma denominação religiosa e acreditam em Deus, sendo a religião inclusive tema de alguns episódios do seriado. Não sei exatamente qual é a correlação existente entre a maneira de lidar com a sexualidade humana e o desenvolvimento econômico de uma região, mas ela parece existir. Nas cidades mais ricas do que Goiânia – São Paulo, Rio de Janeiro, Recife e Brasília – a caretice sexual é bem menor. Seja qual for o motivo, o fato concreto é que tenho dificuldade de expressar minha sexualidade de maneira completa vivendo aqui. Às vezes me parece que todo mundo conhece todo mundo (ainda mais na comunidade LGBT) e é bem fácil de se ficar mal falado. Por outro lado, sinto que traio a mim mesmo quando me nego o direito a ser dono de minha sexualidade. Pois que falem. Não vivo sob a égide de regras que não criei.

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