Héctor Perla, Jr. |
O governo democraticamente eleito do Brasil está no noticiário, mas estaria ele no meio de um golpe? Ao contrário dos golpes latino-americanos do século XX, a turbulência atual no Brasil não envolve o Exército nem derramamento de sangue – mas o Brasil pode passar por uma mudança de regime, um “golpe suave”.
Tenho estudado a política latino-americana pelos últimos 20 anos e documentado as estratégias utilizadas pela direita para manipular a opinião pública e desacreditar governos socialistas. O que está acontecendo no Brasil já aconteceu em outros lugares.
Breve resumo da crise política no Brasil
No Brasil, gigante da América do Sul do tamanho de um continente e rico em recursos naturais, o Partido dos Trabalhadores (PT) venceu a presidência em 2003 e permaneceu no poder nos últimos 13 anos. Comandado por Luis Inácio Lula da Silva, líder carismático que a Newsweek uma vez chamou de “o político mais popular da Terra”, o PT consolidou seu amplo apelo através de políticas econômicas que geraram crescimento com baixa inflação e de programas sociais para distribuir renda num dos países mais desiguais do mundo.
Em 2011, Dilma Rousseff substituiu seu mentor e se tornou a primeira presidenta do país. Rousseff nunca teve o mesmo nível de popularidade que Lula, que em 2016 foi implicado num caso de corrupção e lavagem de dinheiro envolvendo a empresa estatal de petróleo, Petrobras. Os promotores nunca acusaram Rousseff de envolvimento com corrupção, mas o presidente da Câmara dos Deputados levou adiante um processo de impeachment contra ela por suposto mau uso de dinheiro de bancos públicos para cobrir lacunas no orçamento do governo. Em 11 de abril, uma comissão na Câmara votou a favor do impeachment.
Espera-se que a totalidade dos membros da Câmara vote sobre o impeachment em 17 de abril. Se uma maioria de dois terços votar pelo impeachment, então o processo segue para o Senado brasileiro.
Tanto Lula quanto Rousseff acusam os partidos de direita do Brasil se conspirar para derrubar o governo do PT, chamando isso de uma tentativa de golpe. Numa entrevista em 12 de abril, Rousseff acusou o vice-presidente Michel Temer de conspirar abertamente para “desestabilizar uma presidente legitimamente eleita”. No início de abril, milhares de apoiadores de Rousseff se manifestaram nas cidades brasileiras, cantando “não vai ter golpe”.
Mas há uma história mais profunda do que apenas a corrupção ou o oportunismo dos adversários políticos de Rousseff. Eventos recentes na América Latina sugerem que o que está acontecendo no Brasil faz parte de uma ampla campanha da direita para manchar o PT e derrubar tanto Rousseff quanto Lula.
Usando um verdadeiro leque de táticas, os partidos de direita procuram difamar os políticos de esquerda que estão no poder através de meios institucionais, assim como meios não-eleitorais e antidemocráticos.
Vimos uma reação similar da direita contra os regimes socialistas obter êxito no Paraguai e em Honduras. Os partidos de direita tentaram minar regimes de esquerda na Bolívia, em Equador, em El Salvador e na Venezuela. Aqueles na esquerda que são vítimas da direita latino-americana veem esta estratégia como equivalente do século XXI a um golpe de estado.
Investigações corruptas da corrupção?
No caso brasileiro, os pedidos de afastamento baseiam-se em acusações inconsistentes, indiretas e seletivas. Até hoje não há evidências que liguem Rousseff ao escândalo de corrupção. Enquanto isso, o presidente da Câmara, Eduardo Cunha, que está liderando o processo de impeachment, foi apontado nos Panama Papers como recebedor de propina de uma empresa multinacional envolvida no caso de corrupção da Petrobras. De maneira semelhante, muitos dos políticos de direita que lideram e apoiam os esforços pelo impeachment estão de fato enfrentando acusações de corrupção eles mesmos.
Se o processo de impeachment tiver êxito, Michel Temer se tornará o primeiro presidente do Brasil a representar seu partido (o PMDB) em mais de 25 anos. Mas o próprio Temer pode, em breve, enfrentar um processo de impeachment por corrupção.
Embora o alvejamento de Rousseff pela direita possa ser considerado antiético, é legal e está sendo levado a cabo através de canais institucionais formais. Mas os processos de impeachment são apenas um dos elementos da reação da direita contra governos socialistas da América Latina.
Um olhar profundo sobre as táticas contra governos de esquerda
Os ataques mais poderosos – e ilegais – contra a esquerda na América Latina envolvem espionagem, hackeamento on-line e cyberataques, incluindo campanhas de difamação através de mídias sociais e veículos de notícias. Times de operadores políticos high-tech conduzem espionagem ilegal, o que inclui a instalação de spywares em escritórios da oposição e subsequente roubo das estratégias de campanha e da base de dados de doadores de seus oponentes. Estas equipes hackeiam e desfiguram sites de campanha e caluniam adversários. Segundo uma análise, o uso de contas falsas em mídias sociais para manipular a opinião pública foi peça-chave nas tentativas de desacreditar candidatos socialistas na Nicarágua, na Colômbia, na Costa Rica, no México e em outros países.
Conforme discutido aqui, um juiz ordenou que fossem grampeadas as conversas telefônicas entre Rousseff e Lula – para que houvesse uma aparência de justificativa legal. Numa medida altamente incomum, o juiz que ordenou os grampos imediatamente revelou o conteúdo das gravações entre os dois para o público. Instantaneamente, veículos de informação e perfis nas redes sociais começaram a manipular as conversas para dar-lhes a aparência de infração criminal e inflamar a opinião pública contra o governo Rousseff.
Enquanto tudo isso pode soar como uma teoria da conspiração, um artigo recente na Bloomberg, “Como hackear uma eleição”, desnudou a profundidade e a difusão dessa estratégia da direita.
O hacker internacional Andres Sepulveda enfrenta um período na cadeia por seu papel num movimento internacional da direita para interferir em várias eleições latino-americanas. Através de suas revelações, podemos conhecer as táticas institucionais, psicológicas, midiáticas e de redes sociais que a direita desenvolveu para desafiar o socialismo do século XXI na América Latina. Embora Sepulveda não tenha sido contratado para trabalhar no Brasil, a campanha de difamação contra Rousseff adota várias ideias de sua cartilha.
Por ora o PT está reagindo. Um partido político bem organizado nacionalmente, o PT não deve ceder nem mesmo se o impeachment de Rousseff avançar. Mas o que acontecerá nas próximas semanas no Brasil trará implicações de longo prazo para os governos socialistas democraticamente eleitos de toda a América Latina.
Héctor Perla, Jr. é professor-assistente de estudos latino-americanos e hispânicos na Universidade da Califórnia em Santa Cruz. Seu livro “Sandinista Nicaragua's Resistance to US Coercion” será publicado em junho pela Universidade de Cambridge.
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