Passado o espírito olímpico, o Brasil se prepara para as primeiras eleições pós-golpe. No primeiro conjunto de debates foi notória a exclusão de alguns candidatos de esquerda. Seguindo a nova legislação eleitoral – aprovada em 2015 durante a minirreforma eleitoral realizada pela Câmara dos Deputados – a Rede Bandeirantes não convidou os candidatos do PSOL em algumas capitais. Os paulistanos não puderam conhecer as propostas da ex-prefeita Luiza Erundina, terceira colocada nas pesquisas de intenção de votos, assim como os cariocas foram subtraídos da visão do deputado estadual Marcelo Freixo, segundo colocado no Rio. Segundo a nova legislação, as emissoras são obrigadas a convidar aos debates os candidatos que concorrem por partidos que possuem menos de dez deputados federais – e o PSOL possui seis. Anteriormente, a lei exigia a participação de todos os candidatos cujos partidos possuíam representação no Congresso, independente do número de deputados. A exclusão dos candidatos do PSOL deve se repetir em várias cidades e em várias emissoras até o dia 2 de outubro, quando será realizado o primeiro turno das eleições.
Não é uma surpresa que o PSOL seja a nova vítima da máquina estatal. A única maneira através da qual a esquerda consegue acesso à mídia hegemônica no Brasil é através da força da lei. A articulação pelo golpe de Estado uniu Parlamento, Judiciário e mídia, que tentaram dar um véu de legalidade ao processo de impeachment para tentar vendê-lo como legítimo para a opinião pública, insatisfeita com o governo de Dilma Rousseff. Essas mesmas forças agora se unem contra o PSOL. O Legislativo, que se tornou um balcão de negócios, está pouco interessado na promoção de um partido que não se pauta pelos interesses das grandes empresas e, assim sendo, excluiu seu acesso aos veículos de comunicação de massa. O Judiciário, por sua vez, aplica a legislação eleitoral com um rigor ímpar contra os candidatos psolistas. A campanha de Freixo está sendo alvo de uma fiscalização rigorosa do TRE-RJ, o mesmo tribunal que faz vistas grossas para a relação incestuosa entre candidatos e milícias nas favelas. O Estado tão rigoroso contra o candidato que mobiliza a juventude carioca do asfalto, inexiste no morro.
Embora eu esteja ideologicamente distante do PSOL, solidarizo-me com seus candidatos e militantes. Eles agregam muito ao fétido ambiente político nacional e ao debate político apodrecido, pautado pelo falso moralismo de uma direita que aponta os desvios do PT, mas não deixa ninguém investigar seus próprios delitos. O PSOL luta para que a hipocrisia não seja a força motora da política brasileira. Para tal, apresenta soluções práticas e coerentes para a moralização da política, para além dos gritos vazios de "Fora Dilma". Preocupa-me que, em período de "pausa na democracia" (segundo as palavras de um ex-presidente do STF), um cara como Freixo, um ícone da luta contra a confusão entre o público e o privado – que está na raiz da injustiça social e do nosso índice Gini, um dos mais elevados do mundo – esteja sendo perseguido de maneira tão descarada pelas forças da burguesia infiltradas no Estado brasileiro. Entretanto, não posso dizer que isso me surpreende. Já havia alertado para o fato de que, liquidado o PT enquanto legenda naturalmente identificada pelos trabalhadores, a próxima vítima do macartismo à brasileira seria o PSOL. Não podem deixar o substituto do PT sequer nascer.
Parece-me óbvio que as forças conservadoras da máquina estatal (e paraestatal, no caso da mídia) do Brasil voltariam suas baterias contra o PSOL em determinado momento. O Poder Judiciário que agora quer multar Freixo por um deslize da cantora Fernanda Abreu num comício é o mesmo que permitiu que o Legislativo fizesse o impeachment sem base constitucional da presidenta Dilma Rousseff. É o mesmo Judiciário que deixou Sérgio Moro se eleger como herói da classe média "oprimida" pelos programas sociais (e não pelos banqueiros) às custas da própria imagem do Judiciário enquanto estrutura justa e imparcial. Por sua vez, a grande imprensa, da qual a Bandeirantes orgulha-se de fazer parte, está mancomunada com os perseguidores da esquerda no Judiciário desde que viram a oportunidade de manipular a opinião pública contra Dilma e o PT. Destruídas as chances de elegibilidade do PT, que os jornais anunciam a todo o momento que está "em crise" – uma crise que eles mesmos cultivaram com todo o carinho do mundo desde a eclosão do escândalo do mensalão – a tríplice aliança golpista que engloba Judiciário, Legislativo e mídia agora se volta contra o PSOL.
Me desculpem a franqueza, mas foi muito ingênuo quem achou que os autores da narrativa oficial brasileira permitiriam que o PT fosse trucidado e que o PSOL continuasse livre para denunciar o apartheid social brasileiro livremente. Se o pouco que o PT fez – Bolsa Família, ProUni, FIES, Luz para Todos, Mais Médicos, etc. – já ameaçou a manutenção do status quo nas três esferas de poder, imagina aquilo que o PSOL propõe fazer nas prefeituras? Não é preciso ser nenhum gênio ou visionário para saber que os psolistas seriam os novos petistas em termos de perseguição política. Basta olhar para as experiências de golpe de Estado contra forças progressistas ocorridas no passado. Durante a Guerra Civil Espanhola, cuja eclosão completou 80 anos no último mês de julho, foram perseguidos todos aqueles que defendiam a função social do Estado: de trotskistas a social-democratas, de marxistas a liberais e não apenas os militantes do PSOE. Não era possível na Espanha dos anos 1930 – assim como não é possível no Brasil de hoje – manter o status quo sem eliminar as entidades que denunciam e lutam contra a injustiça social.
O poeta Federico García Lorca, por exemplo, estava longe de ser um militante radical, mas defendia a separação entre o Estado e a Igreja Católica e, por isso mesmo, foi uma das primeiras vítimas do golpe de 17 de julho de 1936. Lorca era homossexual e queria viver num país onde pudesse amar quem quisesse; onde o amor consensual entre adultos não fosse crime para satisfazer à visão torta do Evangelho defendida pela Opus Dei. Os perseguidores tanto de Dilma quanto de Freixo odeiam os excluídos do apartheid brasileiro e aqueles que vêem como representantes deles. Quiseram separar o Brasil do Nordeste devido à identificação daquela região com Dilma na eleição presidencial de 2014. Chamam Dilma de "sapatão" desde 2010. De maneira semelhante, Freixo não pode participar dos debates porque é o candidato mais identificado com as minorias no Rio. Minha solidariedade a ele perpassa questões partidárias. É um apoio àquilo que ele representa para nós, membros de grupos oprimidos deste país que buscam a liberdade. Agora é a vez do PSOL ser a vítima dos ataques de um Estado que persegue aqueles que denuncia suas mazelas. Mas este não fala em meu nome e é por isso que eu grito: Viva Freixo! Viva aquilo que ele representa.
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