Há algumas semanas, conforme o Brasil celebrava o carnaval — festa de origem pagã regada a muito sexo e álcool que precede o período de penitência da quaresma — a jornalista Eliane Brum conduziu uma extensa entrevista com o artista Wagner Schwartz. No final de setembro do ano passado, ele foi acusado de pedofilia ao se apresentar durante a abertura do 35° Panorama da Arte Brasileira no Museu de Arte Moderna de São Paulo (MAM-SP). Durante a performance La Bête, inspirada em obra de Lygia Clark, o artista mantém-se nu no meio de um palco e convida a plateia a manipular seu corpo como se ele fosse um boneco. A performance gerou uma onda de ódio ao artista na internet após uma criança, levada pela mãe ao museu, ser filmada interagindo com o artista. Assim como havia acontecido anteriormente com a mostra Queermuseu, suspensa em várias cidades após ser acusada de promover a homossexualidade para menores de idade, boa parte do ódio contra Schwartz partiu de militantes do Movimento Brasil Livre (MBL).
Em novembro, a polêmica chegou a níveis próximos do realismo fantástico. A CPI dos Maus Tratos à Criança e ao Adolescente do Senado Federal, que discutia os limites da arte e ouviu os curadores do Queermuseu, aprovou a condução coercitiva de Wagner Schwartz para depor no plenário. O artista foi alvo da medida arbitrária após declarar que não poderia participar voluntariamente da CPI por estar em turnê na França. Ele recorreu da decisão dos senadores no Supremo Tribunal Federal (STF) e teve sua condução coercitiva barrada pelo ministro Alexandre de Moraes. Para começo de conversa, os senadores nem deveriam estar discutindo qual o valor artístico de obras de arte num país onde a liberdade de expressão é cláusula pétrea da Constituição. Se as instituições estão funcionando normalmente desde o golpe parlamentar contra Dilma Rousseff, como insiste em dizer a presidenta do STF, então por que diabos os senadores agem como ditadores com artistas? Embora tenha feito, nesse caso, o papel de herói contra o avanço do fascismo, o próprio STF tem responsabilidade pelo acossamento de artistas.
Alexandre de Moraes, antes de assumir a cadeira deixada vaga pela suspeitíssima morte de Teori Zavascki, era o ministro da Justiça do governo golpista e vazou informações da Polícia Federal para o MBL. Alimentou o monstro que agora, para desviar o foco do governo de Michel Temer, o mais impopular da história do Brasil e talvez do mundo, empreende uma campanha a favor da moral e dos bons costumes nas apresentações artísticas. Mas nunca foi a intenção de tucanos como Alexandre de Moraes fomentar o fascismo à brasileira, que agora atinge níveis alarmantes. Eles patrocinavam grupos como o MBL para difundir, na sociedade, o discurso moralizante apenas da política. Foram ingênuos em achar que radicalizariam o brasileiro médio e que o ódio deste acabaria no momento em que o PT saísse do poder. Criaram o terreno para tipos como os presidenciáveis homofóbicos Jair Bolsonaro e Flávio Rocha. O PSDB, na ânsia de tirar o PT do poder, criou e alimentou uma onda fascista que agora vai contra a plataforma liberal do partido no campo dos costumes e que terá cada vez mais dificuldade de conter.
Esse tipo de nudez não ofende a moral e os bons costumes do Movimento Brasil Livre e de seus seguidores. |
Alexandre de Moraes, antes de assumir a cadeira deixada vaga pela suspeitíssima morte de Teori Zavascki, era o ministro da Justiça do governo golpista e vazou informações da Polícia Federal para o MBL. Alimentou o monstro que agora, para desviar o foco do governo de Michel Temer, o mais impopular da história do Brasil e talvez do mundo, empreende uma campanha a favor da moral e dos bons costumes nas apresentações artísticas. Mas nunca foi a intenção de tucanos como Alexandre de Moraes fomentar o fascismo à brasileira, que agora atinge níveis alarmantes. Eles patrocinavam grupos como o MBL para difundir, na sociedade, o discurso moralizante apenas da política. Foram ingênuos em achar que radicalizariam o brasileiro médio e que o ódio deste acabaria no momento em que o PT saísse do poder. Criaram o terreno para tipos como os presidenciáveis homofóbicos Jair Bolsonaro e Flávio Rocha. O PSDB, na ânsia de tirar o PT do poder, criou e alimentou uma onda fascista que agora vai contra a plataforma liberal do partido no campo dos costumes e que terá cada vez mais dificuldade de conter.
Uma invenção tipicamente brasileira. |
Mas por que a nudez se fez necessária na performance? Entendo-a como uma forma do artista mostrar-se vulnerável para o público, como se esse pudesse fazer o que bem entender com seu corpo. Afinal de contas, era essa a proposta de La Bête, não era mesmo? Schwartz escolheu apresentar-se nu porque pensou estar num país democrático que respeita a liberdade de expressão artística. Ingenuidade dele. Seu pênis — para ele ou para mim — é apenas mais um pedaço de pele e carne, não menos ofensivo do que um pé ou uma mão. Mas não o é para a maioria dos brasileiros, para os quais o MBL fala desde que os convenceu de que tudo o que o Brasil precisava era de um impeachment de base legal duvidosa, visto no exterior como um golpe frio, para nossas vidas melhorarem. A única intenção do coreógrafo com sua performance era provocar na plateia um questionamento sobre os limites do corpo humano e, também, gerar um sentimento de empatia. Ele queria que seu público pudesse enxergá-lo em sua vulnerabilidade e, assim, ser gentil ao manuseá-lo. Esse é um sentimento que o brasileiro médio, incitado por hordas fascistas como o MBL, não exercita há um bom tempo — se é que algum dia já o exercitou.
Sim, o artista expôs seu pênis. E não cabe ao MBL ou à bancada evangélica do Congresso Nacional querer dizer a ele como ele deve se apresentar. O pênis é uma parte do corpo humano que pelo menos metade da nossa população — e mais da metade dos senadores — possui, não sendo mais sujo do que uma mão. Por que tanta hipocrisia ao lidar com ele? Será que nossa hipocrisia é tamanha que nossos representantes no Senado vão impor o uso de tapa-sexo nas apresentações feitas em museus e demais espaços mantidos com verba pública? Aliás, nada expõe tanto a hipocrisia do nosso país quanto o fato de termos inventado esse tipo de vestimenta. O tapa-sexo é uma invenção brasileira para que as escolas de samba burlassem a regra da LIESA que as impediam de mostrar nudez total na Marquês de Sapucaí. O regulamento foi baixado no começo dos anos 1990 depois de desfiles polêmicos organizados pelo carnavalesco Joãosinho Trinta. Mostrar o corpo é aceitável, desde que ele esteja milimetricamente coberto para não ofender pudores cristãos que insistem se impôr numa festa originalmente pagã e numa sociedade oficialmente laica.
A emissora evangélica, que exibe cenas como essa à tarde, está preocupadíssima com a exibição de nudez para crianças. |
Os curadores do Queermuseu, Wagner Schwartz e o MAM-SP desrespeitaram o código de conduta moral do brasileiro médio. Este aceita a seminudez presente nos desfiles das escolas de samba durante o carnaval e nas ondas da Globo ou da Record. A mulata pode se expôr para o deleite masturbatório do público, em especial aquele formado por homens brancos de meia-idade, desde que um tapa-sexo mantenha a sua decência milimetricamente coberta para não chocar as criancinhas que possam estar vendo aquele programa na televisão. Esse mesmo público, no entanto, se levantou contra o pênis de Schwartz, apresentado num espetáculo lúdico e sem qualquer caráter sexual. Além de não entender que o pênis é esteticamente menos aceito do que a vagina para o brasileiro médio, ele desrespeitou a regra do tapa-sexo — expressão maior da nossa hipocrisia — e foi punido por isso. Afinal, precisamos proteger nossos pequenos deixando-os na ignorância. Assim, perpetua-se o abuso sexual de crianças que não podem aprender na escola (sem partido), na televisão ou no museu o que são vaginas e pênis. O país do tapa-sexo condena a si mesmo à perpetuação da violência sexual devido à hipocrisia. E ainda diz que está fazendo isso para combater a pedofilia!
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