João e Maria Thereza Goulart na Central do Brasil, RJ. |
Um espírito ronda o pronunciamento que Dilma Rousseff faria ontem nas emissoras de rádio e televisão da nação — mais tarde vazado nas redes sociais. É o espírito de Jango no comício da Central do Brasil. É muito simbólico para mim quando vejo filhos e netos do ex-presidente João Goulart se posicionando contra o impeachment que planeja golpear os direitos e benefícios dos trabalhadores brasileiros. A figura de Jango sempre foi muito adorada por mim. Por isso, mantenho meus ouvidos abertos à família Goulart. A direita sempre levantou muitas suspeitas sobre eles e, inclusive, me incomoda ver pessoas de esquerda reproduzindo essas mentiras. Pouco me importa a vida pessoal de Jango e de seus familiares. O que me interessa é que ele quis trazer o Brasil para a contemporaneidade.
Seu programa de governo não era fundamentalmente diferente daquele aplicado pelos democratas nos Estados Unidos. No entanto, nossa elite mesquinha não tolera o mínimo de democratização, de efetivação da cidadania — ainda mais quando proposta por um de seus. Daí o fato de Chico Buarque ser mais atacado e cobrado por seus posicionamentos do que Emicida. No contexto da Guerra Fria, a elite correu até o norte para alertar Washington sobre o perigo socialista que Jango representava — informes estes que agora, contra Dilma, não encontram muito eco na capital americana. Deposto, Jango precisava então ser desconstruído e até mesmo eliminado. A elite precisa destruir — física e simbolicamente — quem ameaça sua paz. Quer voltar a dormir tranquila após ver no jornal um recorte que exclua a luta de classes que sempre existiu e sempre existirá.
Às vezes me pego pensando como seria o Brasil se as Reformas de Base propostas por Jango tivessem sido aplicadas. Como seria a educação, a ciência, a cultura, a música, o cinema, a televisão, o teatro e a política? Existiria uma polícia militarizada em cada unidade federativa, que encara a população como inimigos de guerra? Existiriam casas sem pessoa e pessoas sem casas? A Justiça seria movida pela indignação seletiva e por supersalários? Eu acho que não. Penso que tudo seria radicalmente diferente e que essa nação seria verdadeiramente democrática. As pessoas teriam consciência cidadã e não teriam tempo para referendar discursos hipócritas e macartistas. Mas esse é um sonho que a elite brasileira só permite que exista na minha cabeça. Ainda agem como se a Bastilha não tivesse caído na França.
Velório de Jango em São Borja-RS. |
Lula gostava de lembrar que todos, ricos e pobres, lucraram muito em seu governo. É verdade. Mas a elite lucra muito mais agora, na crise social que ajudou a criar e manter. Não precisa mais de Lula como não precisava mais de Getúlio Vargas em 1945. Uma ruptura se faz necessária para que a elite permaneça elite e nós permaneçamos como o resto da sociedade. As calúnias, difamações e a boataria cumprem um papel fundamental para isso. Precisam jogar a classe trabalhadora ascendida contra quem a fez ascender. Não sei como será o desfecho dessa reprise dessa vez, mas mesmo com mentiras não conseguiram destruir completamente a imagem de Jango junto ao povo. Dez mil participaram de seu velório, que a imprensa foi proibida de noticiar, e meio milhão assistiram ao documentário Jango de Silvio Tendler em 1984. Jango vive! Agora, mais do que nunca.
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