Há exatamente uma semana o jornal estadunidense New York Times publicou um editorial, intitulado "Piorando a crise política no Brasil", em que criticava o impeachment da presidenta constitucional do Brasil, Dilma Rousseff. O mais respeitado diário do mundo escreveu que Dilma está pagando um preço desproporcionalmente alto por irregularidades administrativas que são cometidas por quase todos os governantes do país — segundo Cenk Uygur do Young Turks se todos os políticos americanos que violam a lei orçamentária fossem afastados não sobrariam mais políticos no país. Segundo o Times, "vários dos detratores mais ardentes [de Dilma] são acusados de crimes mais escandalosos". Como, por exemplo, o novo líder do governo na Câmara, André Moura (PSC-SE), investigado por tentativa de homicídio. A opinião da família Ochs Sulzberger é de que os líderes políticos brasileiros querem "removê-la para retomar a política de pagamento de propinas, o que é indefensável".
Como cantava o Bee Gees, talvez um dia conseguiremos entender o efeito que o New York Times provoca nas pessoas. |
Publicado continuamente desde 1851, o New York Times é referência mundial em jornalismo, tendo suas reportagens recebido 117 prêmios Pulitzer, mais do que qualquer outro veículo de imprensa. Foi nos arquivos deste jornal que descobri quem foi a revolucionária alemã Rosa Luxemburgo. Foi este jornal que revelou ao mundo quem era Chico Mendes e por que ele estava sendo ameaçado de morte — e o governo de José Sarney, que agora negocia cargos com Michel Temer, ignorou solenemente a reportagem, o que levou ao assassinato do líder ambientalista e sindical pouco antes do Natal de 1988 na porta de sua casa em Xapuri, no Acre. Trata-se de uma das maiores fontes historiográficas do mundo — e é por isso que incomoda à elite brasileira e seus lacaios que ela não esteja reproduzindo a versão deles. Mas se o Times não se dobrou a líderes muito mais espertos e a elites muito mais sanguinárias, por que se dobraria a Temer e à elite paulista?
Página de O Globo de 7 de abril de 64, sugerindo nomes para a tortura. |
Quando precisei pesquisar dados sobre o plebiscito de 1934 que tornou Adolf Hitler führer da Alemanha foi no New York Times que os encontrei e não no arquivo do Estadão. O jornal tinha um correspondente em Berlim em plena escalada do nazismo! Se hoje é possível desmentir rumores antissemitas sobre a ascensão de Hitler, é devido, em parte, ao Times. Se o jornal se limitasse a reproduzir a mídia oligopolizada da Alemanha dos anos 1930, como os lacaios da elite paulista desejam que ele faça ao reportar a crise política brasileira, provavelmente teria defendido o extermínio de judeus. Mas aí é que reside parte importante da grande diferença entre o Times e os jornalões brasileiros. Em 1896 ele foi comprado por Adolph Ochs, um comerciante judeu, e os judeus só foram completamente integrados à sociedade estadunidense após a Segunda Guerra Mundial. Já os principais jornais brasileiros sempre foram dirigidos por homens brancos cristãos que nunca sentiram o peso da opressão.
Apesar das críticas que nutro ao New York Times por sua postura excessivamente pró-establishment — como a decisão de apoiar as candidaturas de Hillary Clinton e John Kasich nas eleições presidenciais deste ano —, ele merece respeito. É mais antigo do que todos os jornais brasileiros de abrangência nacional e, o mais importante de tudo, nunca fez parte de um grupo que monopoliza a mídia, como é o caso do maior jornal carioca. A mídia oligopolizada do Brasil não pode dar lições de jornalismo a ninguém. Segundo a insuspeita ONG Repórteres Sem Fronteiras,"os meios de comunicação incitaram o público a derrubar a presidenta Dilma". Trata-se de uma mídia partidarizada que não convence mais ninguém de sua imparcialidade. Faria muito bem ao país se, assim como o Times, confessasse sua postura política — no caso de defesa dos interesses da burguesia —, ao invés de espernear toda vez que tem sua postura de militante anti-PT denunciada por veículos como Guardian ou New York Times.
Assim como o Estado de S. Paulo tem o direito de apoiar Aécio Neves, o New York Times não comete nenhum crime ao apoiar Dilma Rousseff, embora não tenha sido isso que ele fez, ao contrário do que sugeriu o incauto Jorge Pontual na GloboNews. O Times apoiou a frágil democracia brasileira e não a Dilma. O editorial dizia: "Esta crise política está minando a fé na saúde da jovem democracia [do Brasil]". O maior jornal dos Estados Unidos diz-se preocupado com a democracia brasileira e a mídia brasileira classifica-o de dilmista. Diz muito sobre a nossa mídia, não? Acho que aquilo que o Times escreveu como alerta para os políticos brasileiros, pode muito bem valer para os veículos de comunicação também: "Eles podem se dar conta em breve que grande parte da ira da população focada na presidente será redirecionada a eles". E que não reclamem se isso acontecer, pois essa ira contra as instituições foi muito bem incitada por eles durante anos a fio.
Para alguns, defender a democracia é o mesmo que defender Dilma Rousseff acriticamente (o que o Times não fez). |
Isto pode ocorrer porque o brasileiro está insatisfeito com a ordem. E desconheço instituição maior em defesa da manutenção da ordem do que a mídia brasileira. Trata-se de uma mídia que compra briga até com veículos respeitadíssimos da mídia mundial, como o Guardian ou o Times para defender sua visão de mundo. À mídia internacional parece insensato — para não dizer hipócrita — que políticos sob investigação, como Eduardo Cunha, Renan Calheiros e André Moura, julguem uma presidenta sobre a qual não pesa acusação alguma além de uma tecnicalidade fiscal que governadores de todos os partidos praticam. Não adianta o João Roberto Marinho enviar cartinha pro Guardian, este impeachment está tendo sua legitimidade questionada até mesmo por veículos ultra-liberais como a revista Economist. Uma hora a população vai perceber isso e se revoltar contra quem os fez apoiar a troca de pouco por nada. E a culpa não vai ser do Times.
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