A última semana foi agitada para aqueles que acompanham o processo eleitoral nos Estados Unidos. Após uma vitória acachapante na primária republicana de Nova York, onde teve 60% dos votos, o empresário Donald Trump tornou-se matematicamente imbatível por seus opositores — o senador texano Ted Cruz (porta-voz do movimento radical Tea Party) e o governador de Ohio John Kasich (representante da centro-direita). Numa tentativa final de vencer Trump, Cruz anunciou que a ex-CEO da HP Carly Fiorina seria sua companheira de chapa. Apesar disso, Trump venceu a primária de Indiana em 3 de maio, o que levou o senador texano a suspender sua campanha no mesmo dia. Kasich anunciou o fim de sua campanha no dia seguinte, sendo que Trump, o único candidato ainda na disputa pelo lado republicano, já é tratado pela mídia como o "presumível candidato" do partido.
No meio disso tudo, na última segunda-feira uma pesquisa divulgada pelo Instituto Rasmussen indica que a "presumível candidata" democrata Hillary Clinton estaria dois pontos percentuais atrás de Trump na eleição geral, a ser realizada em 8 de novembro. É verdade que o instituto é conhecido por favorecer os republicanos, tendo previsto a derrota de Barack Obama para Mitt Romney em 2012, mas é também verdade que o favoritismo de Clinton face a Trump vem caindo na média das pesquisas desde março. Era de 11,2% em 23 de março e agora está em 6,5%, segundo o Real Clear Politics. A disputa para Clinton — que não foi tão tranquila quanto ela e os cabeças do Partido Democrata imaginavam que seria na fase primária, quando teve que enfrentar o senador social-democrata Bernie Sanders —, será ainda pior na eleição geral.
Sanders representa a insatisfação dos jovens com o Partido Democrata, transformado em antro pró-negócios por Clinton. |
O FBI investiga Hillary Clinton desde 1992, quando seu marido era candidato à presidência e o New York Times divulgou que nos anos 1970 o então advogado-geral do Arkansas e sua esposa compraram lotes no empreendimento Whitewater e teriam sido beneficiados por transações ilegais realizadas pelo outro sócio do empreendimento, Jim McDougal. Desde 2012, quando era secretária de Estado, Clinton vem sendo acusada de responsabilidade pelo ataque ao consulado americano em Benghazi, na Líbia, que matou o embaixador Chris Stevens e outros três americanos. A ex-secretária testemunhou no Senado em 2015, no que foi considerado uma vitória para ela, mas em seguida descobriu-se que ela usava uma conta de e-mail pessoal enquanto secretária de Estado para se comunicar com seus subordinados e, juntos, eles decidiam quais e-mails arquivar no sistema do governo e quais descartar.
Além disso, há o escândalo Monica Lewinsky, sempre muito apelativo aos eleitores evangélicos (que correspondem a 36% do eleitorado). O fato é que Hillary Clinton é uma das figuras mais polarizadas e polarizantes da política americana. De cada dez americanos, cinco a odeiam e quatro a amam. Desde 8 de abril ela possui mais odiadores do que admiradores, conforme indica o HuffPost Pollster. Mesmo em estados onde ela venceu as primárias, a maioria do eleitorado afirma confiar mais em Bernie Sanders do que nela. Segundo a pesquisa boca-de-urna realizada pela CNN em Nevada, por exemplo, 82% dos eleitores acreditam que Sanders é mais confiável do que Clinton. E ela ganhou com 53% dos votos. Trata-se de uma figura extremamente desgastada, que seus próprios apoiadores têm dificuldades em definir como confiável.
Agora que as chances de Bernie Sanders diminuem — ele precisa ganhar na Califórnia para ter alguma chance de vencer Clinton — o movimento Bernie or bust ("Bernie ou nada", em tradução livre) ganha força. Trata-se de eleitores de Sanders que se recusam a apoiar Clinton numa eleição geral. Preferem escrever o nome dele na cédula (o voto de protesto conhecido como write-in) ou sequer se darem ao trabalho de ir votar, uma vez que a participação em eleições nos Estados Unidos não é obrigatória e se ausentar do processo não acarreta em nenhuma punição legal para os cidadãos. Creio eu que os votos de Sanders irão se dividir da seguinte forma: abstenção, write-in, Jill Stein (candidata do Partido Verde) e Clinton. Só não sei ao certo em quais proporções, pois é fato que Clinton deve tentar atrair os eleitores de Sanders nos próximos meses.
Duvido que a ex-secretária de Estado ofereça ao senador o cargo de companheiro de chapa. Ele é muito anti-establishment para isso e a família Clinton transformou o Partido Democrata num antro de políticos amigos dos negócios. "Conservador na política fiscal e liberal na política social" é o lema dos clintonianos. O cargo deve ser oferecido à senadora Elizabeth Warren, companheira de Sanders na denúncia da ganância predadora de Wall Street, mas duvido que ela aceite renunciar sua ideologia pelo poder. Há inclusive um vídeo circulando nas redes sociais em que Warren denuncia as várias facetas de Clinton. Em 2004 Warren contou a Bill Moyers que conseguiu convencer a então primeira-dama a fazer campanha contra um projeto de lei, patrocinado pelas operadoras de cartão de crédito, que redefinia o conceito de falência. Ao ser eleita senadora, Clinton apoiou o mesmo.
Por casos como este, Clinton não inspira confiança no eleitorado mais jovem, justamente aquele que ganhou força com a entrada de Sanders na disputa. Em 1996, Clinton apoiou a decisão do marido de banir o casamento gay a nível federal, enquanto atualmente se apresenta como defensora dos LGBTs. Sem falar no faux pas horrível de ter afirmado que o casal Reagan foi crucial na tomada de consciência de que algo precisava ser feito para conter a epidemia da AIDS nos Estados Unidos. A eleição de 2016 está sendo tudo menos "presumível", então não é ingenuidade minha imaginar que a pesquisa do Instituto Rasmussen tenha soado um alerta na campanha de Clinton. Odiada pela direita desde a presidência de seu marido e perdendo o apoio da esquerda, a ex-secretária de Estado pode perder uma eleição que estava praticamente ganha para os democratas.
Tanto Trump quanto Clinton compraram a indicação em seus respectivos partidos. |
Não digo que a eleição será fácil para a direita também não. Ao acolherem elementos radicais em seu partido, os republicanos transformaram-se numa caricatura patética de si mesmos. A esta altura do campeonato, não é possível presumir nada a respeito da eleição geral em novembro. Só que deverá ser uma campanha muito suja, com a direita raivosa ressuscitando todos os escândalos em que o casal Clinton se meteu nos últimos 30 anos. Há dois anos parecia que a disputa seria entre Jeb Bush e Hillary Clinton, com a última seguindo para uma vitória inevitável. Hoje ela segue enfraquecida para a eleição geral e sequer é possível afirmar se os Estados Unidos terá uma presidenta. Se por um lado a eleição de Trump será ruim para o mundo, por outro será bom porque significará o fim da submissão da esquerda à política clintoniana.
O Partido Democrata, graças a Sanders e sua nada insignificante base eleitoral, será obrigado a encarar o erro de ter aderido a um sistema que praticamente obriga os filiados a votarem em quem compra o diretório nacional do partido. Tanto Clinton quanto Trump compraram a indicação em seus respectivos partidos. Os eleitores democratas, cansados da velha política que os iguala aos republicanos, não precisarão mais renunciar à ideologia por medo do candidato do outro lado. É disso que se trata: escolher Hillary Clinton para não escolher Donald Trump é votar no menos pior. A esperança prometida — e não-cumprida — por Obama, poderá enfim ter razão de ser. A "terceira via", o "novo trabalhismo", ou seja, a roupagem neoliberal que deram à esquerda será enfim enterrada. Mas isso, é claro, não passa de um suposto resultado de uma eleição nada presumível.
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