sexta-feira, 1 de abril de 2016

Golpe frio: a crise de Estado no Brasil


Jens Glüsing.
Os oponentes de Lula conseguiram aquilo que sua frágil sucessora Dilma Rousseff falhou em conseguir desde que tomou posse: unir a base do Partido dos Trabalhadores do Brasil, os sindicatos e os movimentos sociais, ao governo.

Centenas de milhares de apoiadores de Lula protestaram na sexta-feira á noite em todo o país contra a tentativa de expulsar a presidenta do cargo por meio de um processo de impeachment. Na Avenida Paulista, em São Paulo, considerada o termômetro dos protestos, ocuparam onze quarteirões. As manifestações transcorreram com calma e Lula foi conciliador; ele não atacou o Judiciário e fez um apelo ao diálogo. Dificilmente pôde-se ouvir incitação ao ódio nas demonstrações no Rio e em São Paulo.

Ao contrários dos protestos massivos contra o governo do fim de semana passado, nos quais se reúnem cada vez mais revoltados de extrema-direita. Eles não representam a maioria dos manifestantes, mas crescem em popularidade. Isto é preocupante para a ainda jovem democracia brasileira.

Pela primeira vez desde o fim da ditadura militar em meados dos anos oitenta, uma crise política que pode destruir muitas realizações dos últimos trinta anos ameaça o maior país da América Latina. Parte da oposição e o Judiciário tem inflamado, juntamente com o poderoso grupo de TV Rede Globo, uma verdadeira caça às bruxas contra o ex-presidente Lula.

Sérgio Moro, um ambicioso juiz de Curitiba, no sul do Brasil, tem aparentemente apenas uma meta: colocar o ex-presidente atrás das grades. Moro conduz os inquéritos de um escândalo de corrupção envolvendo a empresa petrolífera estatal Petrobras, no qual centenas de gestores, lobistas e políticos, incluindo vários membros de primeiro escalão do Partido dos Trabalhadores de Lula, estão implicados.

Como um furacão, o juiz varreu as elites políticas e econômicas do Brasil. Ele descobriu bilhões pagos em propina. Mais de cem suspeitos estão presos, a maioria dos quais sem uma condenação. Muitos brasileiros celebram o juiz como um herói nacional.

Evidências escassas

Os oponentes de Lula conseguiram o que Dilma falhou em
conseguir: unir sindicatos e movimentos sociais ao governo.
Mas nos últimos meses o sucesso de Moro aparentemente lhe subiu à cabeça. O juiz faz política, o que não é para ele. A divulgação de conversas telefônicas entre Lula e a presidenta Rousseff, interceptadas poucas horas antes da nomeação de Lula como premier, persegue fins políticos por si só e foi legalmente duvidosa para se dizer o mínimo.

Moro até agora não foi capaz de forjar uma acusação contra Lula, embora dezenas de promotores e agentes da Polícia Federal em Curitiba tenham vasculhado as finanças e a vida pessoal do ex-presidente durante meses. As evidências ainda são escassas.

Lula não tem milhões na Suíça como o poderoso presidente da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha. Ele é acusado de corrupção e lavagem de dinheiro; um juiz do Supremo Tribunal Federal se referiu a ele como bandido. Mas isso não o impede de assumir a presidência da comissão que é responsável pelo impeachment da presidenta.

Nesta honrosa comissão sentam-se, dentre outros, um ex-governador de São Paulo que foi condenado na França sob acusação de corrupção, mas que não foi entregue pelas autoridades brasileiras por ser um cidadão brasileiro. O fato de que tais figuras sejam peças-chave na derrubada de uma presidenta contra a qual não pesam acusações mina a legitimidade de todo o processo.

Os apoiadores de Lula alertam para um golpe frio contra a democracia. Tal preocupação não é completamente destituída de fundamentos.

Jens Glüsing é correspondente do Spiegel no Rio de Janeiro.

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