O segundo turno das eleições municipais no Brasil não poderia ter sido marcado em data mais apropriada. Será no dia 30 de outubro, véspera do Dia das Bruxas. A disputa em cidades como Belo Horizonte, Porto Alegre e Goiânia — todas elas antigos redutos do Partido dos Trabalhadores — mais parece o enredo de um filme de terror. Candidatos de partidos de direita se digladiam naquela que deve ser a campanha mais baixa e menos propositiva de toda a história recente desses locais. Após ter subtraído 54,5 milhões de votos e tomado o poder central de assalto, a direita, que falou em voz uníssona durante o processo que culminou no golpe de Estado contra a presidenta Dilma Rousseff, agora digladia entre si para definir quem irá ditar os rumos da política nacional. Aqui em Goiânia a disputa será entre o velho coronel Iris Rezende (PMDB), patrocinado pelo senador Ronaldo Caiado (DEM), e o empresário Vanderlan Cardoso (PSB), ex-prefeito de Senador Canedo e candidato do governador Marconi Perillo (PSDB). Nenhum desses golpistas merecem o meu voto, mas precisamos falar sobre aquele que vem se apresentando como o "novo" para a população da capital.
Em qual Vanderlan devemos acreditar? No de 2010... |
Em outubro de 2010, o então candidato a governador Iris Rezende fez um comício na Região Noroeste de Goiânia para receber o presidente Lula e a então candidata à presidência Dilma Rousseff. É inútil repetir que Iris e seu PMDB mais tarde trairiam Lula e entregariam Dilma aos lobos golpistas; isso todos já sabem. Vale frisar, no entanto, que neste comício Iris recebeu o apoio e o elogio de Vanderlan Cardoso, que também concorreu ao governo, mas não avançou para o segundo turno da disputa. Segundo Lula, a oposição aos tucanos em Goiás procurou-lhe para definir os nomes que concorreriam ao governo e ele abençoou as candidaturas tanto de Iris — com quem seu PT estava coligado — quanto de Vanderlan. Eu sei disso porque eu estava lá. Presenciei o discurso de Lula e também presenciei quando Vanderlan disse que o melhor para o futuro de Goiás era a eleição do ex-governador Iris Rezende, então recém-saído da prefeitura de Goiânia. Hoje, o mesmo Vanderlan ataca o peemedebista por sua aliança com o PT no passado, da qual ele também fez parte no segundo turno de 2010, e coloca-se como seu rival na disputa pela prefeitura da capital do Estado.
Vanderlan apresenta-se na televisão como uma espécie de "João Dória goiano". O empresário, dono da fábrica dos salgadinhos Micos, apresenta-se como um gestor que irá revolucionar a prefeitura ao aplicar à administração pública as práticas do mundo empresarial. Se há algo que o fenômeno Donald Trump nos ensinou é que a melhor maneira de construir uma candidatura viável nas democracias liberais hoje em dia é, além de denunciar os inimigos que estão destruindo a família tradicional, apresentar-se como o "não-político". Segundo a campanha do candidato socialista, Iris Rezende, do alto de seus quase 83 anos de idade, possui práticas políticas obsoletas. Não discordo, mas substituir as práticas paternalistas do velho coronel por "novas" práticas que incluem a privatização e a diminuição da máquina pública me parece como trocar seis por meia-dúzia. Além do mais, gostaria de saber o que provocou uma mudança tão súbita em Vanderlan em seis anos para que ele negasse tudo aquilo que disse para mim e outros eleitores goianienses naquele comício de 2010. Não padeço da doença da amnésia, tão comum a grandes parcelas do eleitorado brasileiro.
Em qual Vanderlan o eleitorado de Goiânia deve acreditar? No de 2010 ou no de 2016? E, mais importante de tudo, o que fez com que ele mudasse tão radicalmente de opinião sobre o governador Marconi Perillo, contra quem concorreu nas eleições de 2010 e 2014? Teria algo a ver com o enorme aporte financeiro que sua campanha recebeu desde que aceitou coligar-se com o PSDB, que governa, aparelha e dilapida o Estado há 18 anos? A rejeição aos tucanos em Goiânia é notória, então dessa vez o governador preferiu concorrer com alguém distante de seu grupo político e que apresenta-se como o "não-político", para conseguir a chance de abocanhar as finanças municipais também. A enorme estrutura de campanha que o PSDB forneceu a Vanderlan seria, segundo alguns, bancada pelos recentes desvios promovidos pelos tucanos na empresa estatal de saneamento, a Saneago. Vanderlan apresenta-se na disputa pela prefeitura de Goiânia como o novo, mas para ter uma chance real de finalmente chegar ao poder aliou-se com os políticos sujos e corruptos que tanto criticava em campanhas passadas. Fica a dúvida: pode o novo nascer de práticas antigas?
...ou no de 2016? |
Ao aliar-se ao PSDB, Vanderlan incorreu na prática mais comum da "velha" política de Iris: o conchavo. O peemedebista já esteve coligado com todos os grupos políticos imagináveis, do PT ao DEM. Ao incorrer no primeiro e mais grave pecado do político ordinário, passou a diferenciar-se do oponente apenas no discurso. Na prática, são iguais: dois políticos que só visam o poder a qualquer custo e não estão nem aí para a ideologia dos partidos com os quais se coligam. O povo, que dizem representar, é um mero espectador na construção de suas alianças programáticas e partidárias. Por um momento, antes da eleição de 2010, cogitei votar em Vanderlan Cardoso para governador. A eterna polarização entre Iris e Marconi, que perdura desde que eu tinha oito anos de idade, me causa náuseas. No entanto, em determinado programa eleitoral, ele propôs conceder a administração das comunidades terapêuticas que tratam dependentes químicos para igrejas. Aquele foi o momento em que percebi que havia algo de velho no "novo" candidato. Foi ali que percebi que se tratava de um político "mais do mesmo", que confunde o Estado laico com sua crença religiosa pessoal.
Agora que Vanderlan aliou-se ao PSDB de Marconi Perillo. prometendo governar Goiânia, mas na verdade visando a eleição de 2018, tenho certeza absoluta de que ele é um político como outro qualquer. Por que uma pessoa que sequer mora em nossa cidade e que exerceu o cargo de prefeito de outra cidade completamente diferente está tão interessada em governá-la? Não é para "gerir" nossa Goiânia e melhorar a qualidade de vida de nosso povo. É para fazer palanque para o próximo pleito de governador. Marconi Perillo não pode concorrer ao governo em 2018, então nada melhor do que colocar alguém "novo", que não enfrentou grandes casos de corrupção em seu histórico político, para substituí-lo. Vanderlan apesenta-se como o "pós-político", mas a política dele é a mesma de sempre. Não sintam-se surpresos caso ele seja eleito prefeito e abandone a cidade para concorrer ao governo do Estado como o candidato pós-Marconi e, uma vez eleito, reproduza todas as práticas de Marconi Perillo e seu PSDB. Vocês foram avisados por quem percebeu a incongruência entre o discurso e a prática de Vanderlan Cardoso desde o início.