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Ele. Deputado federal Izalci (PSDB-DF). |
Muitos amigos, principalmente aqueles ligados às ciências humanas, estão chocados com o projeto de lei 867/2015, de autoria do deputado federal Izalci (PSDB-DF), que institui o programa "Escola sem Partido". Não estou assim tão chocado. Lembro-me bem quando essa história de que há "doutrinação marxista" nas escolas brasileiras começou. Foi em agosto de 2008 e eu estava no primeiro ano da faculdade de jornalismo da PUC-GO (então UCG). A revista
Veja distanciava-se cada vez mais da narrativa factual da vida brasileira para se tornar o panfleto semanário oficial dos opositores do governo do então presidente Luiz Inácio Lula da Silva. A linha editorial da revista deixou de ser formulada por jornalistas para ser ditada por militantes políticos de extrema-direita, discípulos do astrólogo e autodenominado filósofo Olavo de Carvalho, tais como Reinaldo de Azevedo e, posteriormente, Rodrigo Constantino. Um ano depois, o Supremo Tribunal Federal decidiu que para exercer o ofício de jornalismo não é preciso diploma de curso superior em comunicação social. Desde então, tornou-se cada vez mais recorrente a invasão da narrativa factual dos acontecimentos, ouvindo-se todos os lados de um assunto, por um discurso de pânico recauchutado do macartismo.
O que aconteceu, sem maiores delongas, foi o seguinte: um repórter da referida revista veio até Goiânia, onde assistiu a uma aula de história para alunos do ensino médio no Colégio Ateneu Dom Bosco. Trata-se de uma das mais tradicionais escolas privadas da capital goiana, de orientação católica romana e frequentada sobretudo por jovens oriundos de lares de classe média. Ao invés de simplesmente relatar o que ocorreu na sala de aula, o repórter escreveu uma matéria completamente tendenciosa, acusando o professor de tentar doutrinar seus alunos. O professor em questão discutia os efeitos nefastos do capitalismo sobre a experiência humana – algo que alguém que já ouviu os discursos do Papa Francisco perceberá que é completamente compatível com a doutrina social da Igreja, que nada tem de marxista. A discussão havia começado após os alunos terem ouvido a música "Homem Primata" da banda oitentista Titãs. Trata-se de uma canção extremamente popular, que foi a 25ª música mais executada nas rádios brasileiras no ano de 1987. O Titãs não é uma banda que se autodeclara comunista como o Rage Against The Machine e só porque eles têm uma música que critica o capitalismo liberal não significa que são comunistas. Podem ser capitalistas keynesianos.
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Seguindo a lógica da Veja, os Titãs são comunistas perigosos que deveriam ser banidos da rádio por doutrinação marxista. |
O repórter responsável pela matéria fez uma grande flexão intelectual para ligar os versos "
Ô, ô, ô / homem primata / capitalismo selvagem" aos cursos de pedagogia e à obra do pedagogo Paulo Freire, que ele mesmo julgou nula. Freire sequer é amplamente estudado nos ambientes acadêmicos. E, por falar nisso, uma das lições mais importantes que aprendi na faculdade é que "o jornalista só fala através de suas fontes". O repórter da
Veja fez pior: valeu-se da boa fé de sua fonte para desmerecer o trabalho pedagógico de um professor que, a despeito de estar inserido num ambiente conservador, conseguiu iniciar um debate com seus alunos sobre a realidade que os cerca para além dos muros dos prédios onde vivem. O também católico Hélder Câmara resumiu bem a hipocrisia brasileira: "Quando dou comida aos pobres, me chamam de santo, mas quando pergunto porque eles são pobres, chamam-me de comunista". Debater os problemas gerados pelo capitalismo – e nenhum sistema econômico é perfeito – é algo perfeitamente normal. É o que democratas estão fazendo nesse exato momento na Convenção Nacional do Partido Democrata. Promover uma discussão sobre o capitalismo liberal, que sequer é a única forma de desenvolvimento capitalista, está longe de ser doutrinação marxista.
Mas qual é o problema em debater as diversas formas de organização econômicas já existentes e propostas? O problema é que o debate torna os alunos conscientes para o fato de que o capitalismo liberal não é a única forma possível de organização econômica da sociedade. Questionar a realidade que nos é imposta incomoda os representantes do status quo. Os donos da Veja só são ricos graças ao capitalismo liberal. Mesmo o capitalismo estatista ou keynesiano desagrada-lhes. Querem que a sua seja a única revista presente nas salas de espera de consultórios médicos e salões de beleza. Lula subiu no ringue com a revista quando decidiu reduzir sua verba de publicidade para desenvolver a mídia independente e regional. A revista Veja, ao contrário do que insinua seu slogan, não é indispensável para se tornar bem-informado e inteligente. Ela mantém seus leitores na ignorância ao retratar todos aqueles que são contra o capitalismo liberal como comunistas comedores de criancinhas. E preocupa-lhe que alguns agentes sociais estejam esclarecendo as pessoas sobre as diferentes formas de organização econômica diferente daquela que é a sua preferida. A Veja tem medo que as pessoas se tornem esclarecidas e ela se torne dispensável.
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À Veja não interessa que seus leitores saibam que o modelo atual de capitalismo promove a desigualdade de renda. |
E se algum daqueles jovens no Ateneu decidir que quer trabalhar como médico na periferia? É o fim da rígida sociedade de castas à brasileira. Para manter os privilégios de uns poucos no capitalismo liberal, a maioria deve ser sacrificada. Isto está ficando cada dia mais claro,
inclusive nos Estados Unidos. Este é um dos fatores que ajudam a explicar o fenômeno que é Donald Trump. Sim, ele é bilionário, mas se apresenta como o candidato do anti-
status quo. E ninguém chamaria-o de comunista. Ser contra as coisas como elas estão está muito, muito longe de ser comunista. O próprio Paulo Freire, figura tão execrada ultimamente em seu país, estava longe de ser um militante comunista. Ele baseou sua análise sobre a forma de organização da sociedade em Marx, é claro, mas isso não transforma alguém automaticamente em comunista. De forma semelhante, sua obra agora é a terceira mais citada em trabalhos acadêmicos de universidades estadunidenses, o que não significa que os acadêmicos sejam marxistas ou sequer freirianos. Além do mais, Freire era membro do Partido dos Trabalhadores que, no poder, mostrou ser um tradicional partido social-democrata, ou seja, que promove o capitalismo estatista. E foi justamente isto que me atraiu no PT.
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Aqui é permitido ler e discutir a obra freiriana. |
Em 2010, quando passei um mês no Canadá, em intercâmbio, vi
A Pedagogia do Oprimido numa estante da livraria da Universidade de Victoria. Imediatamente lembrei-me da ofensa proferida contra Freire no panfleto político da Editora Abril. Fiquei emocionado por ver um brasileiro que não era jogador de futebol sendo reconhecido no exterior. Ao mesmo tempo, fiquei triste pela forma como ele é tratado pelos pseudointelectuais do Brasil. Pensei comigo mesmo: precisei vir a 10.000 quilômetros de casa para finalmente ver Paulo Freire sendo reconhecido pela revolução que propôs na pedagogia e que serviu de modelo para o sistema educacional dos países escandinavos – países capitalistas estatistas, diga-se de passagem –, mas jamais para seu próprio país. Aqui damos crédito àqueles que querem livrar a escola de uma suposta "doutrinação marxista"
sem nem saber explicar por quê. Não há como manter um debate inteligente com quem quer interditar o debate baseando seus argumentos numa revista que, a despeito de estar presente em todas as salas de espera do país e também
nas salas de aula do estado de São Paulo, não consegue sobreviver sem a teta generosa da Secom e teve que promover um golpe de Estado para não ir à falência.
Essa história de "Escola sem Partido" não começou hoje, infelizmente. Estamos presenciando apenas o seu apogeu. Tudo começou quando a mídia brasileira decidiu agir como um partido político, dando espaço para pseudointelectuais como Constantino e Azevedo e permitindo que eles atacassem a nata do pensamento acadêmico pátrio para prejudicar o PT. Também deve-se destacar a guinada à direita do PSDB, que percebeu que teria mais chances de derrotar o PT se apostasse no neoconservadorismo. No meio disso tudo está a classe média, que, ansiando por uma mudança ainda maior do que aquela que os governos do PT propiciaram, permitiu ser utilizada como massa de manobra das forças conservadoras. No entanto, os idiotas úteis não estão voltando para os braços do PSDB. Já perceberam seu jogo sujo e se desencantaram com a política como um todo. O resultado final do processo de destruição do PT – indesejado pelas forças conservadoras da mídia e da política – é a nazificação do Brasil. E o nazismo não é muito exigente ao escolher suas presas. Não adianta falar "não somos do PT". Vai ser preciso provar, pois o maior desejo do nazista é eliminar seus inimigos e qualquer desculpa serve para justificar sua sede de extermínio. Enxergam apenas o que querem, pois bebem sempre a água da mesma fonte.
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O nazismo não é muito exigente com suas vítimas. |
Uma dessas fontes é a
Veja, que, em medos da década passada, decidiu que seria uma revista feita por e para comentaristas de portal. A política nunca deveria ter se tornado o reino das emoções. Até líderes de organizações criminosas sabem que a pior coisa que se pode fazer é agir no calor do momento, pois os resultados são difíceis de serem previstos. Mas a mídia brasileira, que nunca sobreviveu sem a verba de publicidade dos governos decidiu arriscar e colocar esse elemento na política. A
Veja foi a pioneira, justamente por ser a que mais corria o risco de desaparecer, junto com o resto da mídia impressa. Podem até sobreviver, mas não pagarão o preço por terem introduzido as emoções, principalmente o ódio, na político. Nós, as vítimas do ódio, é que vamos pagar esse preço. Busco, cada vez mais, colocar a razão na frente da emoção. Meu crescimento enquanto ser humano depende disso e não estou disposto a retroceder porque alguns idiotas úteis decidiram que o PT e a esquerda seriam a válvula de escape para todos os problemas do universo conhecido e desconhecido. É uma tarefa cada vez mais homérica. Qualquer que seja o resultado dessa história de "Escola sem Partido", já perdemos, pois permitimos que nossos instintos mais básicos entrassem no debate político.
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