Cartaz do filme Volver. |
Há cerca de dez anos, eu assisti ao filme Volver (2006), escrito e dirigido pelo cineasta espanhol Pedro Almodóvar e, assim como havia acontecido quando assisti a seu Tudo Sobre Minha Mãe (1999), me apaixonei completamente por aquela trama. A história gira em torno de Raimunda, que se vê forçada a retornar a sua cidade natal na região de La Mancha quando sua tia senil morre (daí o título do filme, que significa "retornar" em português). Raimunda, magnificamente interpretada por Penélope Cruz — indicada ao Oscar de melhor atriz por sua atuação —, deixou traumas do passado e uma rígida moral conservadora para trás quando se mudou para Madri. Em determinada cena ela diz à filha adolescente, com certo desdém, que o sul da Espanha é quente e que, por isso, as pessoas ali são mais ignorantes do que aquelas com as quais elas convivem na capital do país.
Aquele diálogo mexeu profundamente comigo na época. Eu era um jovem gay e morria de medo e vontade de me assumir como tal para a conservadora — e igualmente quente — sociedade goiana. Minha dificuldade em me aceitar e me assumir vinha dos valores sociais em voga em Goiânia, onde a polícia registra cerca de dez casos de violência contra a mulher por dia. Agora, no entanto, eu decidi que a ignorância do goiano médio não pode mais pautar minha vida e tenho me lembrado cada vez menos daquela cena. Não há muito o que eu possa fazer se as pessoas a meu redor foram educadas para achar a caverna de Platão confortável. Apesar disso, recentemente outra obra de arte também produzida por um homem espanhol gay fez eu me recordar daquela cena, que considero o momento de origem do meu divórcio da sociedade ignorante em que estou inserido.
Trata-se da peça A Casa de Bernarda Alba, do dramaturgo Federico García Lorca, que tive a oportunidade de assistir na abertura da mostra "Mulheres por Mulheres", realizada em homenagem ao Dia Internacional da Mulher. Nela, o calor simboliza não a ignorância, mas a repressão religiosa e a rígida moral sexual do sul da Espanha no início do século passado. Assim como Raimunda, García Lorca só conseguiu se livras das correntes da sociedade provinciana após se mudar para Madri. Não creio que o diálogo entre essas obras seja um mero acaso. Tampouco creio que a onda de calor pela qual Goiânia atravessa e a aparição dessas obras no meu imaginário nesse exato momento seja mera coincidência. O valor simbólico exato disso, eu não sei, mas suspeito que seja um sinal de alerta para que eu continue resistindo ao calor repressivo e ignorante de Goiás.
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