O deputado federal Jair Bolsonaro (PSC-RJ) era um zé ninguém até aparecer no CQC em 2011. O programa humorístico da Rede Bandeirantes, exibido entre 2008 e 2015, gostava de abrir espaço para figuras bizarras da vida nacional, em especial do baixo clero da Câmara dos Deputados, como uma forma de aumentar sua audiência, sobretudo no Twitter. Emissoras como Record, SBT e Bandeirantes, que lutam entre si pelo segundo lugar nos índices de audiência, passaram a usar os trending topics daquele rede social como forma de atrair investimentos, mostrando para os anunciantes que possuíam um público mais jovem e antenado com as novas tecnologias do que a dominante Rede Globo. O IBOPE já era considerado um mecanismo defasado de medição de audiência naquela época.
A mídia tradicional precisava de um fascista para quando estivesse precisando aumentar sua audiência. |
A estratégia dos produtores do programa funcionou. Assim que o quadro em que o deputado respondia às perguntas da cantora Preta Gil foi ao ar, o CQC entrou para os trending topics. As barbaridades racistas ditas pelo até então desconhecido deputado foram repercutidas ad nauseum nas redes sociais por militantes de esquerda revoltados com suas palavras. São pessoas que acham que sua missão — na vida e nas redes — é combater as injustiças. Só que nessa luta incansável e sem tréguas a favor da justiça social, acabam dando espaço para as ideias que dizem combater. Depois de sua aparição no programa, amplificada pelos tuítes e retuítes de quem se propunha a denunciá-lo, Bolsonaro finalmente conseguiu o palanque que tanto desejava para suas ideias reacionárias.
Preciso fazer aqui um mea culpa. Na época, eu também ajudar a propagandear essa figura nefasta da política brasileira acreditando estar combatendo-o. Durante o tempo em que usava o Twitter, me tornei um extremista da justiça social, ao ponto em que não conseguia mais assistir a um episódio de um seriado qualquer sem problematizá-lo. O exemplo mais emblemático disso era quando eu assistia à comédia The Big Bang Theory. Para mim, o personagem Raj era utilizado pelos roteiristas do programa como mecanismo de afirmação da supremacia dos EUA sobre os países do terceiro mundo. Militantes de direita, percebendo o extremismo de certas problematizações, cunharam o termo pejorativo social justice warriors (guerreiros da justiça social) para se referir à esquerda, ainda em 2011.
Logo o Twitter virou um campo de batalha entre extremistas da justiça social e militantes que lutam contra a ditadura do politicamente correto. Em comum entre ambos está a falta de bom senso. E, num espaço onde a expressão é limitada a 140 caracteres, os xingamentos tornaram-se a lei. O debate político infantilizou-se desde então, como evidenciado pela recente troca de insultos entre o jornalista americano radicado no Brasil Glenn Greenwald e o deputado Bolsonaro. Longe de mim defender Bolsonaro, mas Greenwald não deveria ter esperado outra resposta do deputado ao chamá-lo de "cretino". A impressão que tive, ao ler a troca de mensagens entre os dois, foi a de que se tratavam de duas crianças brigando no pátio de uma escola:
— cretino!
— viado!
Greenwald também deve acreditar, como eu acreditava, que atacar o deputado, mesmo quando ele está quieto, é a menor maneira de derrotá-lo. Só que isso tem se provado falso. Depois que ele ganhou notoriedade ao aparecer no CQC e nas timelines de milhares de pessoas de esquerda revoltadas com suas ideias, militantes até então ligados à direita tradicional perceberam que ele incomodava muito mais a esquerda do que os políticos do DEM e do PSDB e elegeram-no como seu novo líder. Só não perceberam — ou fingiram não perceber — que isso se deve ao fato de que ele é fascista, o que deveria ser repudiado por todo o espectro político. Assim sendo, Bolsonaro se tornou o deputado mais votado em seu estado, saindo de pouco mais de 120 mil votos em 2010 para quase 470 mil em 2014. Hoje, encontra-se em segundo lugar nas pesquisas para a eleição presidencial de 2018.
Bolsonaro lidera as pesquisas em cinco estados e está em situação de empate técnico com Lula em Goiás. |
Faltou malícia, para mim e para os demais militantes de esquerda, em 2011, para perceber que a intenção da Bandeirantes era justamente a de criar um ícone fascista que eles pudessem explorar sempre que seus programas estivessem com problemas de audiência. A falta de bom senso dos empresários do setor e de regulamentação da mídia criou Jair Bolsonaro como um candidato viável para o futuro de uma nação decepcionada com seu sistema político. Desde que ele emergiu no imaginário nacional como solução para todos os problemas do Brasil, o baixo clero da Câmara cresceu, tomou o poder com Eduardo Cunha (PMDB-RJ), e promoveu um golpe de Estado para conter a vontade soberana da nação de continuar no caminho da tímida inclusão social dos governos do PT.
A mídia empoderou o lixo político para gerar o caos, porque o caos — como admitiu cinicamente o presidente da CBS ao responder, em 2016, sobre o porquê de sua emissora dar tanto espaço para o então candidato a presidente Donald Trump — pode até ser ruim para a nação, mas é ótimo para os índices de audiência. E a militância da internet, que surgiu como uma promessa de revolucionar a comunicação e a política, tornou-se meramente um jogador de uma partida cujas regras já foram definidas pela mídia tradicional. Esta jogou sua isca e os twitters morderam-na cegamente. A militância de internet atendeu ao pedido da Bandeirantes e criou o "Bolsomito". E, o mais triste de tudo, é que eu não sei dizer se foi a de direita ou a de esquerda — que segue criando palanque para ele, como vimos Greenwald fazer.
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