Estou cada vez mais convicto de que o problema do Brasil nunca foi o PT. O problema do Brasil é que o Estado deve servir a uma classe minoritária que nada produz. As grandes fortunas do país não existiriam se não fossem as generosas tetas do Estado. O PT errou, na minha opinião, por não promover um desmembramento completo disso. Enquanto o cenário externo favoreceu a economia do país, as gestões petistas na máquina federal mantiveram um sistema que favoreceu tanto os parasitas do Estado quanto o grosso da população. Com o arrefecimento da economia global a partir de 2013, o partido (mais especificamente Dilma) viu-se numa encruzilhada: ou rompia com a elite financeira que locupleta-se do Estado ou com o povo. Dilma acabou tentando servir aos dois senhores e caiu. Michel Temer surgiu em seu lugar para acabar com o tímido Estado de bem-estar social criado pelo PT. Ele está no Palácio do Planalto para promover o retorno do modelo anterior, segundo o qual todos são iguais em direitos e deveres aos olhos do Estado, mas uns são mais iguais do que os outros. O Estado possui seus filhos preferidos e Temer governa para eles. Caso o contrário, ou seja, se tivesse se mantido fiel ao programa de governo que o elegeu em 2014, o golpe teria sido dado para colocar o mau perdedor e garoto de ouro das elites, Aécio Neves, no poder.
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Meu carro não tem o direito de existir no Setor Bueno assim como "atores petistas" não têm o direito de viver. |
Agora que o golpe foi dado, os mamadores da teta do Estado estão empoderados. Aqueles que acham que fazem parte desse grupo também. Digo isto pois, como diz um amigo meu, o brasileiro compra um carro e um apartamento no Setor Bueno (pagando consórcio durante anos e anos) e acha que faz parte da elite, que compreende aquela parcela mínima da sociedade que mantém sua riqueza intacta por mais de 400 anos. E não é que um episódio interessante ocorreu comigo justamente no dia do golpe final contra Dilma e no referido setor, o bairro de Goiânia com mais eleitores de Aécio Neves por metro quadrado. Estava eu atrasado para a minha sessão de terapia, quando passei pela Panificadora Della. Havia um carro saindo do local, mas, por estar com pressa, não dei-lhe passagem. Meu carro é um Uno Mille velho, mas que tem o mesmo direito de estar transitando pelas vias da cidade quanto o Honda Civic daquele condutor. Mas essa não é a mentalidade dos moradores daquele bairro. Eles acham que têm mais direito ao espaço público por fazerem parte de uma determinada classe social. Assim sendo, o condutor esbarrou propositalmente no meu carro, a despeito da minha buzina estar anunciando "ei, você está invadindo o meu espeço pessoal!". Eu poderia ter sido mais simpático e lhe dado passagem, mas imagina se fôssemos nos vingar de todos que não nos dão passagem no trânsito?
No Brasil pós-golpe, as leis não têm mais validade alguma. Vale a lei da rua. E a lei da rua no Setor Bueno é que aquele é um bairro de elite e que tem mais direito à rua quem tem o melhor automóvel (tadinho do meu Uno velho e batido!). Lá não está em vigor o Código Brasileiro de Trânsito, está em vigor a mentalidade do brasileiro coxinha. E digo "coxinha" (ou seja, aquele que faz parte de um grupo social, mas julga-se melhor por causa da roupa que veste na origem do termo) porque a elite goianiense não habita entre nós desde o final dos anos 1990, quando houve um êxodo dessa classe social para os condomínios fechados. O Setor Bueno é o bairro onde a classe média se reúne para achar que é rica. Os ricos de verdade estão segregados da classe média. Agora que Dilma e o PT foram solapados do poder, a mentalidade do Setor Bueno vai ganhar espaço para triunfar. Estão empoderados. A invasão ao espaço do outro por quem julga-se portador de mais direitos está apenas começando. O problema do Brasil, como sempre suspeitei, não é a Dilma e sua lambança na economia. O problema do Brasil é a mentalidade do Setor Bueno que não enxerga o outro como portador dos mesmos direitos e deveres que si próprio. E, sinto informar, a tendência é só vermos ainda mais violações em relação ao direito de existir do outro que não se encaixa nesse padrão.
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