Hoje a farsa contra a presidenta Dilma Rousseff foi finalmente consumada e seu mandato foi oficialmente abreviado pelo Congresso Nacional. Por não terem conseguido provar qual crime Dilma teria cometido, os senadores cassaram-na, mas deixaram seus direitos políticos intactos. Transformaram o mecanismo do impeachment previsto na Constituição de 1988 num voto de confiança, embora o regime de governo no Brasil seja o presidencialismo e não o parlamentarismo. Na Espanha, seria perfeitamente legal afastar o presidente de governo pelo "conjunto da obra", mas no Brasil isto é — ou era — juridicamente impossível em razão do fato do presidente ser também o chefe de Estado e o cargo, acumulando as duas funções, necessitar de certa estabilidade institucional. Assim sendo, não há outra forma de classificar o impeachment de Dilma Rousseff que não seja através da palavra "golpe". É o golpe frio do qual a revista alemã Der Spiegel falou.
Apesar de terem ajudado a instituir uma nova modalidade de golpe na América Latina, que até mesmo o jornal conservador argentino Clarín vê com cautela, não guardo rancor em relação aos partidários do golpe contra Dilma. Pelo contrário, gostaria de agradecer aos golpistas do fundo do meu coração. Desde que vocês decidiram se fechar ao diálogo e se isolar do resto da sociedade que não pensa como vocês, minha vida só melhorou. Quando vocês decidiram que sua estratégia de ação política para derrotar Dilma e o Partido dos Trabalhadores seria o ataque à própria democracia, percebi que seria obrigado a me afastar de vocês. Não quis conviver no mesmo ambiente tóxico de ódio e rancor no qual vocês vivem. Vocês desnudaram sua falta de caráter e valores morais e isso me desagradou. Assim sendo, a única opção que me restou foi conviver com pessoas que pensam de maneira semelhante a mim. Graças a vocês, golpistas, entrei em contato com pessoas maravilhosas.
Busquei me afastar de pessoas cujos valores eu percebia como dúbios. Não conseguia mais aturar mesquinhos, hipócritas e falsos moralistas. Gente que falava que não tinha "bandido de estimação", mas que celebrou o fato de Eduardo Cunha ter estado do seu lado na luta contra o PT. Gente que cobrava retidão de caráter dos políticos, mas que pede pro colega bater o ponto em seu lugar no trabalho. Gente que se diz cristã, mas que xingava uma senhora de 68 anos de idade, avó de duas crianças, de "puta" no protesto de domingo após a missa ou culto. Gente que nunca vai suportar ter que dividir as vias públicas com pobres em carros mais humildes. Gente que grita quando contrariada. Gente cujo ódio é o próprio combustível que as move e as faz sair da cama todas as manhãs. Num primeiro momento, parecia que eu havia me isolado do mundo e que não havia mais ninguém como eu ao meu redor. Mas isto não era verdade.
Lentamente, fui me aproximando de um variado leque de pessoas que também não suportam o "dois pesos, duas medidas" tão característicos dos brasileiros que se julgam informados quando na verdade estão sendo manipulados. São pessoas que, sob circunstâncias normais, eu não teria tido a oportunidade de conhecer no meu até então restrito círculo de convivência social. A primeira demonstração de hipocrisia ocorreu num templo da Igreja Católica, da qual me desvinculei logo em seguida para, felizmente, encontrar uma igreja mais afinada com os meus valores. Em seguida, ao voltar a participar de protestos de rua, descobri o quão rica é a militância progressista no Brasil. Me abri para pessoas com as quais, num passado recente, eu teria vergonha de ser visto em público. Se hoje tenho diversos amigos — virtuais ou não — de diversas partes do Brasil e do mundo, de várias etnias, orientações sexuais e identidades de gênero, é por causa do terremoto político que o golpismo causou.
Além disso, voltei a prestar a atenção na produção musical nacional. Redescobri a obra de muitos artistas graças a sua militância anti-golpe. Quem poderia imaginar que eu tenho tanto em comum com o Tico Santa Cruz, por exemplo? São artistas que fazem cultura de primeira e que dificilmente terão o reconhecimento que merecem do grande público. Nesse sentido, o serviço sueco de streaming Spotify foi de grande importância para me fazer romper o boicote à música popular brasileira imposto pelas rádios FM de Goiânia. Assim como a reação popular às organizadíssimas neo-marchas da Família com Deus pela Liberdade me aproximou de negras e negros que não escondem suas raízes, pessoas trans que não escondem sua identidade e muitos — muitos mesmo — homossexuais que, num passado recente eu teria considerado "espalhafatosos" demais. Houve também o que chamo de "invasão nordestina" aos meus perfis nas redes sociais.
Lentamente, fui me aproximando de um variado leque de pessoas que também não suportam o "dois pesos, duas medidas" tão característicos dos brasileiros que se julgam informados quando na verdade estão sendo manipulados. São pessoas que, sob circunstâncias normais, eu não teria tido a oportunidade de conhecer no meu até então restrito círculo de convivência social. A primeira demonstração de hipocrisia ocorreu num templo da Igreja Católica, da qual me desvinculei logo em seguida para, felizmente, encontrar uma igreja mais afinada com os meus valores. Em seguida, ao voltar a participar de protestos de rua, descobri o quão rica é a militância progressista no Brasil. Me abri para pessoas com as quais, num passado recente, eu teria vergonha de ser visto em público. Se hoje tenho diversos amigos — virtuais ou não — de diversas partes do Brasil e do mundo, de várias etnias, orientações sexuais e identidades de gênero, é por causa do terremoto político que o golpismo causou.
Além disso, voltei a prestar a atenção na produção musical nacional. Redescobri a obra de muitos artistas graças a sua militância anti-golpe. Quem poderia imaginar que eu tenho tanto em comum com o Tico Santa Cruz, por exemplo? São artistas que fazem cultura de primeira e que dificilmente terão o reconhecimento que merecem do grande público. Nesse sentido, o serviço sueco de streaming Spotify foi de grande importância para me fazer romper o boicote à música popular brasileira imposto pelas rádios FM de Goiânia. Assim como a reação popular às organizadíssimas neo-marchas da Família com Deus pela Liberdade me aproximou de negras e negros que não escondem suas raízes, pessoas trans que não escondem sua identidade e muitos — muitos mesmo — homossexuais que, num passado recente eu teria considerado "espalhafatosos" demais. Houve também o que chamo de "invasão nordestina" aos meus perfis nas redes sociais.
Desde que vocês, golpistas, decidiram não reconhecer o resultado da eleição presidencial de 2014, eu cresci bastante. Muitas vezes, as adversidades nos impõem o crescimento. Romper laços é doloroso, mas nem sempre é maligno. Isolar-me de vocês forçou meu crescimento nas relações interpessoais — e garantiu-me uma paz de espírito inédita em minha vida. Resistir ao golpe parlamentar tem sido uma experiência fascinante de auto-conhecimento através do outro. Finalmente entendi o que significa ser cristão. Não significa dar a outra face para vocês o tempo todo. Significa estender a mão para todos que são rejeitados por vocês, que são a expressão política de uma minoria gananciosa. Significa aceitar-me e poder assumir, por exemplo, que acho um homem trans bonito e que ficaria com ele. Libertei-me do fardo que vocês representavam em minha vida. Por isso, obrigado, golpistas! O ódio de vocês me uniu em amor a pessoas incríveis. E o que o amor une, o ódio não pode separar.
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