Muitas vezes a falta de distanciamento histórico não nos permite analisar os eventos como eles de fato ocorrem. Agora, no entanto, está mais do que nítido para mim que os dois últimos anos representam, para a contemporaneidade, aquilo que a década de 1920 representou para o século passado. E não, não estou falando da revolução tecnológica que permitiu o surgimento do cinema falado. Refiro-me à ascensão do nazifascismo na Europa. Em 2015, sob os efeitos do terrorismo global e de uma crise financeira tão avassaladora quanto a de 1929, inaugurou-se uma nova era de influência das ideias de extrema-direita sobre uma série de países, sobretudo aqueles cujas instituições políticas passam por uma acentuada crise de representatividade.
O primeiro exemplo que salta aos olhos é o da Alemanha, uma vez que foi este o país onde se originou o nazismo. Em meados de outubro de 2015 foi fundado, na cidade de Dresden, o grupo "Europeus Patriotas Contra a Islamização do Ocidente" (PEGIDA), que se opõe ao recebimento de refugiados sírios pela potência europeia. Atraiu 350 pessoas em sua primeira manifestação. Na semana posterior ao ataque terrorista à sede do jornal satírico francês Charlie Hebdo, entretanto, levou 250.000 pessoas às ruas da cidade. Nove em cada dez manifestantes do PEGIDA apoiam o partido de extrema-direita Alternativa para a Alemanha (AfD) que, desde então, tornou-se o terceiro maior nos parlamentos de dois estados e o segundo maior na casa legislativa de Saxônia-Anhalt.
Marine Le Pen posa com dois skinheads em 2006. |
Na França, os efeitos das crises financeira e de imigração são sentidos de maneira mais intensa e, por isso mesmo, a extrema-direita tem feito avanços significativos. Em 2014 o país viu seu PIB ser ultrapassado pelo da Grã-Bretanha, ao passo em que a Frente Nacional (FN) elegeu 24 deputados para o Parlamento Europeu que deseja destruir. Os deputados desse partido valem-se de um ciclo vicioso que alimenta a xenofobia para angariar votos. Os muçulmanos são excluídos da sociedade que os teme e encontram refúgio em grupos que promovem uma visão radical do Islã o que, por vezes, resulta em atentados que justificam a exclusão dos muçulmanos da sociedade. Só em 2015 ocorreram três atentados promovidos por grupos islâmicos em Paris.
Julgava-se que a FN tinha se exaurido em 2002, quando seu então líder, Jean-Marie Le Pen, sofreu uma derrota acachapante para Jacques Chirac no segundo turno das eleições presidenciais daquele ano. Sua filha Marine, no entanto, reinventou o partido ao abandonar a retórica fascista do pai, embora defenda praticamente a mesma agenda que ele. Agora atraente aos jovens e politicamente viável, a FN obteve, pela primeira vez, o maior número de votos nas eleições regionais (equivalente às nossas eleições para governadores). Em Nord-Pas-de-Calais-Picardie e em Provence-Alpes-Côte d'Azur as candidatas da extrema-direita só não se tornaram governadoras graças a uma inesperada coalizão entre a centro-esquerda e a centro-direita no segundo turno.
A pesquisa mais recente para a eleição presidencial de 2017 indica que Marine Le Pen pode vir a se tornar a candidata mais votada no primeiro turno, embora sua vitória no segundo seja improvável. Entretanto, me pergunto se ela não emergirá como alternativa viável, sobretudo para os jovens desesperançosos com o sistema político, caso a centro-direita que deve substituir o atual presidente socialista François Hollande mostrar-se tão ou mais incapaz do que a centro-esquerda de resolver os problemas econômicos do país. A crise das instituições na França é profunda e recorrente. A xenofobia apenas ajuda a transformar os inimigos — muitos e difusos — em algo palpável. O fascismo nada mais é do que a forma que os capitalistas encontram de culpar outros pelas crises que geram.
O fascismo caracteriza-se pelo atropelo ao devido processo legal e pela crença de que o país precisa de um líder forte. |
O que nos leva até o caso dos Estados Unidos. Vimos despontar, em 2015, um candidato que debita nas costas dos imigrantes latino-americanos todos os problemas econômicos da nação e que que propõe construir um muro na fronteira com o México. No entanto, ele não se pronuncia sobre o sistema de financiamento eleitoral que gera a desconfiança do público ao sistema político. Baseia sua campanha na parcela do eleitorado que se ressente por ter que dividir seus espaços com hispânicos. Seria cômico, não fosse trágico, que a maior nação do mundo corre o risco sério de vir a ser governada por um fascista como Donald Trump. Quem diz isso não sou eu, mas Robert Paxton, professor emérito da Universidade de Colúmbia e um dos maiores pesquisadores contemporâneos sobre o fascismo da década de 1920.
Não é à toa que Trump é aclamado pelos camisas-amarelas do Brasil. Embora jurem de pé junto que sejam democratas, em momento algum os manifestantes anti-Dilma denunciaram as forças fascistas (que não eram poucas) presentes em suas manifestações. O fascismo, segundo Paxton, caracteriza-se pelo nacionalismo exacerbado, ataques a inimigos tácitos e explícitos sem respeito ao devido processo legal, uma certa obsessão em dizer que a nação em questão declinou e a crença de que o país precisa de um líder forte. Todas essas características estão presentes nos comícios e discursos tanto de Trump quanto dos camisas amarelas. A comparação entre os dois movimentos políticos, feita por Glenn Greenwald não é descabida. Afinal de contas, o ovo da serpente está sendo chocado no mundo inteiro.
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