Não tenho o hábito de entrar em portais de notícias. Sou bem cuidadoso em relação às informações que deixo entrar no meu mundo. Quem se pauta pela mídia brasileira tem a sensação de que o mundo é um lugar composto, em sua esmagadora maioria, por pessoas sem nenhum senso de ética e que são capazes de matar outros seres vivos pelos motivos mais banais. Banhistas na Argentina mataram um golfinho para poder tirar selfies com eles, noticiou a mídia, sem checar a verdadeira história por trás daquelas imagens. Logo começou-se a esparramar frases de efeito como "prefiro bicho a gente". Por que, então, quem diz essa frase não se suicida? Seria uma gente a menos no mundo.
Por mais cuidadoso que eu seja, histórias como essas viralizam e se torna impossível fugir delas. Outra história que viralizou, embora numa escala bem menor, foi aquela contada por Miriam Dutra, ex-amante de Fernando Henrique Cardoso, em entrevista na Folha de S. Paulo. Em comum, essas duas histórias refletem o profundo caso de amor dos brasileiros com a hipocrisia. A indignação com o suposto assassinato de um golfinho não se viu presente na revelação de que um presidente da República valia-se de uma offshore (empresa localizada num paraíso fiscal para não pagar imposto de renda) para sustentar um filho que teve fora do casamento.
Quem nasce no meio da hipocrisia não está imune a ela. Eu mesmo nutria sentimentos moralistas em relação a Miriam Dutra. Achava que ela tivesse dado o "golpe da barriga". Agora que conheci a versão dela - e não de repórteres ligados ao PT - percebo que ela foi, na verdade, a vítima. A vítima de uma sociedade hipócrita, onde o homem pode abandonar um filho, contando para isso com o apoio da máquina estatal se ele for membro do Governo Federal, e a mulher é tachada de vagabunda se tentar fizer o mesmo. Ela foi obrigada a mentir, dar entrevista à pseudo-jornalística revista Veja falando que o filho era de um biólogo. Caso contrário, o fundador do PSDB destruiria sua vida.
O slogan que merecemos de verdade. |
Agora fica a pergunta: e se fosse uma ex-amante de Lula que aparecesse contando história similar? Ela simplesmente viraria uma celebridade da mídia mais poderosa do que as Kardashians da noite para o dia. Desde que o Partido dos Trabalhadores chegou ao poder os tribunais - midiáticos e de Justiça - brasileiros passaram a adotar o sistema de dois pesos, duas medidas. Ou double standard, já que os magistrados brasileiros são chegados em Miami. Quem não é desconexo da realidade, quem enxerga a roubalheira independente de partido, quem acha imoral um pai - seja ele sociólogo ou torneiro mecânico - abandonar um filho, quem se recusa à ignorância pequeno-burguesa, sofre.
Eu deixei de acompanhar a mídia brasileira porque eu me conheço e sei que vou ficar irritado com a falta de transparência dos jornalistas ao lidar com a corrupção tucana. Eu nunca suportei a hipocrisia. Desde pequeno encaro comportamentos hipócritas como ausência de caráter. É nisso que os sem-caráter da mídia e seus comparsas do Ministério Público e da Justiça querem transformar o povo brasileiro: num país de hipócritas, numa nação de sem-cárter. Os pirateiros, os motoristas que estacionam em local proibido e furam sinal, os fraudadores de FIES, os subornadores, os sonegadores, os batedores de panela, podem segui-los. Eu jamais seguirei.
Tenho a consciência límpida, embora cada vez mais tenho a certeza de que o que move o debate político brasileiro é a hipocrisia - vejo pessoas corruptíssimas em suas vidas privadas exigindo transparência de pessoas públicas, como se elas não fossem o reflexo de si mesmas. Votamos em qualquer um pelo simples fato de serem anti-PT e queremos ser a França! Como bem declarou Supla hoje mais cedo em entrevista à rádio Jovem Pan, o Brasil é um país onde o álcool (que mata uma pessoa a cada dez segundos) é liberado e a maconha (que nunca causou uma morte direta sequer) não. "Eu não acredito nisso", disse o roqueiro cinquentão. Nem eu.
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