Cada vez mais a história recente do Brasil lembra a da República de Weimar. Este é o nome não-oficial dado à Alemanha entre a queda da monarquia em 1918-19 e a ascensão de Adolf Hitler em 1933. Ontem foi divulgada uma nova pesquisa para a eleição presidencial de 2018. Nela, o ícone da extrema-direita Jair Bolsonaro (PP-RJ) aparece com intenção de voto maior do que Ciro Gomes (PDT-CE), que em tese seria um nome mais conhecido do eleitorado, tendo sido ministro dos governos Itamar Franco e Lula e duas vezes candidato a presidente. Venho alertando para o crescimento do candidato da extrema-direita já há algum tempo. Entretanto, a esquerda prefere subestimá-lo, tratando-o como uma piada, como um personagem extremista demais para ser eleito. Jean-Marie Le Pen também era visto como uma piada, extremista demais para ter alguma chance dentro do jogo tradicional da política francesa. Em 2002, no entanto, emergiu para o segundo turno da disputa presidencial francesa, chocando a centro-esquerda e a direita moderada, que volta e meia deixa suas diferenças de lado e forjam coalizões para evitar a vitória da Frente Nacional.
A luta fratricida entre SPD e KPD levou à morte de Rosa Luxemburgo e inviabilizou uma aliança entre os partidos até 2001. |
O relativo sucesso dos nazistas na eleição de 1930 pode ser explicado por dois fatores: a incapacidade do SPD em lidar com a crise de 1929 e o fim dos ataques da imprensa ao gênio louco que era Adolf Hitler. Assim como no Brasil atual, o último governo de centro-esquerda da República de Weimar foi marcado pela falta de maioria no parlamento, o que obrigava o chanceler Hermann Müller a fazer concessões à direita e impossibilitava-o de enfrentar a crise econômica. Os direitistas, em especial ex-militares, culpavam uma conspiração de socialistas e minorias étnicas (judeus e polacos) pelos problemas econômicos do país. Discurso que começa a ganhar força aqui. A imprensa viu nesse discurso perigosíssimo a oportunidade de tirar o SPD do poder. Hitler forjou uma aliança com o magnata da imprensa e político Alfred Hugenberg, cujos jornais pararam de atacá-lo. Os nazistas passaram de 2,6% para 18,25% dos votos. Prevejo cenário semelhante em 2018: a mídia brasileira – tão oligopolizada quanto a alemã era – não atacará Bolsonaro porque ele é útil para seu plano de tirar o PT do poder. Não vai exaltá-lo, pois finge ser democrática, mas também não o atacará.
Prevejo também a esquerda mais radical do país culpando o PT pela ascensão da extrema-direita, assim como o KPD culpava o SPD pela ascensão do nazismo. Embora o PT nunca tenha perseguido e provocado a morte de dirigentes do PSOL, as divergências entre os dois partidos permanecem tão fortes quanto as de social-democratas e luxemburguistas. Assim como alguns no PSOL hoje falam do PT, os membros do KPD encaravam o SPD – e não o Partido Nazista – como o maior inimigo da classe trabalhadora. Entendo perfeitamente de onde vem essas críticas. O PT se apresenta como revolucionário no Horário Eleitoral e atua como o PSDB light no poder. Enganou a classe trabalhadora. Mas o próprio PSOL também está sendo vítima da encruzilhada anti-PT. O partido teve seu único prefeito, de Itaocara-RJ, cassado sem nenhum motivo legal aparente, assim como Franz von Papen depôs o governo de esquerda da Prússia para agradar os nazistas. E isso foi só o começo. Ninguém ficará a salvo da sanha anti-esquerdista. Nem mesmo Marina Silva, que se julga acima das ideologias. Em 2014 mesmo ela começou a ser atacada pela direita hidrófoba por ter pertencido ao PT até 2009.
O atentado ao Reichstag, praticado pelos próprios nazistas teve sua culpa atribuída ao KPD, o que justificou a aplicação da cláusula anti-terrorismo da Constituição por Hitler. |
No entanto, equivoca-se quem acha que a direita já estabelecida é a principal beneficiária do atual caos político. De maneira semelhante à Alemanha dos anos 1930, a direita parlamentar também perde espaço para a direita marginal. Mesmo que o PSDB consiga eleger o presidente em 2018, o partido vai se deteriorar no poder de forma muito mais rápida do que o PT, em especial se a crise econômica prevalecer. Os tucanos não vão conseguir "arrumar a economia" tão rápido quanto prometem e, como já provaram no passado, vão tentar fazê-lo às custas do povo, já irritado. Isso vai revoltar parte significativa de sua base eleitoral, que vai cair de bandeja nas mãos de Bolsonaro. É algo que a crise econômica mundial vem provocando nas principais economias do mundo: a descrença com os representantes da política tradicional ou, como preferem dizer alguns analistas políticos, "o fim do centro político". Tanto Donald Trump quanto Bernie Sanders, por exemplo, definem-se como políticos anti-establishment. É assim que os eleitores de Bolsonaro vêem seu "mito", como um outsider da política, embora ele já esteja no Congresso há 30 anos.
Seria o povo brasileiro os ratos de Hamelin? |
Às vezes sinto como se a História se repetisse num loop constante. "Eu vejo o futuro repetir o passado, eu vejo um museu de grandes novidades", já dizia o poeta. Espero, do fundo do meu coração, estar errado. Não sou nenhum cientista político, mas cada vez mais vejo o destino da República de Weimar se repetir aqui no Brasil. Até grupos monarquistas lutando contra a ordem democrática nós também temos! Em escala bem menor, é claro, mas mesmo assim temos. Sem falar na adesão ao discurso genocida por parte das próprias vítimas deste. Há hoje no Brasil negros apoiando a extrema-direita, assim como haviam judeus anticomunistas apoiando Hitler na Alemanha. Segundo eles, a esquerda os vê como vítimas enquanto a direita acredita em sua capacidade individual. O individualismo exacerbado, aliás, é uma característica do nazismo. O que importa é o que o indivíduo pode fazer pela sociedade e não o contrário. Sinto-me num filme de Fritz Lang. Vejo a ascensão do Dr. Mabuse através da hipnose da massa, disposta a renunciar à civilidade e adotar a violência sem questionamento. E, o pior de tudo, é que, como personagem coadjuvante, sinto que não posso fazer nada para evitar isso.
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