Sexta-feira, 1° de janeiro de 2016. Novo dia de um novo ano. No entanto, eu ainda estava angustiado por causa de fatos ocorridos no ano anterior. Não é porque um marco temporal passou que meus sentimentos mudaram. Decidi caminhar. Fui num parque perto de casa. Me animei e segui para outro, um pouco mais distante, embora seja localizado no mesmo bairro. Escureceu. Voltando para casa, fui encurralado por um cara de bicicleta. Fugi. Mas ele me alcançou e ameaçou tirar minha vida se eu não lhe entregasse meu celular. Um pedaço de plástico que custou R$ 650 ou minha vida? Escolhi a última, pois celular tem como a gente comprar outro; a vida, não.
O que ocorreu em seguida foi surpreendente. Nas horas seguintes ao assalto, fiquei muito chateado. O choque emocional de saber que, no Brasil, uma vida humana vale menos do que um pedaço de plástico que custou menos do que sete notas de cem reais foi grande. No entanto, me recusei a me desmoronar, como teria ocorrido num passado recente. Aprendi que, diante de um acontecimento ruim, temos três opções: podemos deixá-lo nos definir, podemos deixá-lo nos destruir ou podemos deixá-lo nos fortalecer. O que o assaltante queria, além do meu celular? Ele queria me destruir por causa de um celular e eu simplesmente não posso permitir isso. Minha vida vale mais do que todas as posses materiais que eu eu já acumulei.
É claro que não vou me colocar numa situação de violência tão cedo novamente. Moro numa das cidades mais violentas do mundo. A título de ilustração: no ano de 2015, 340 pessoas foram assassinadas em Nova York (8,4 mi de habitantes); no mesmo período, 553 pessoas foram assassinadas em Goiânia (1,2 mi de habitantes). Só nos últimos 15 meses é a segunda vez que apontam uma arma na minha cara por conta de um pedaço de plástico. Recusar a deixar um assalto me definir não significa que vou desafiar a realidade violenta e rir do perigo. Significa que vou criar resiliência para as situações em que essa realidade dura e brutal bater na minha porta. Significa que não vou me abater por conta do mal que outras pessoas desejam infligir em mim.
Nunca havia entendido direito a passagem bíblica em que Jesus Cristo incita seus seguidores a oferecerem a outra face caso fossem agredidos. Não entendi porque os americanos não poderiam se deixar vencer pelo luto após o 11 de setembro. Creio que o então presidente disse algo como: se deixarmos de fazer qualquer coisa por medo, então os terroristas terão vencido. Tampouco havia entendido a atitude recente do cantor e compositor Chico Buarque de não revidar a agressão que sofreu de um bando de playboys cariocas que o chamou de nomes inimagináveis na saída de um restaurante localizado no Leblon, bairro nobre do Rio de Janeiro.
O fato é que não podemos deixar os outros pautarem nossos sentimentos e nossas ações. O ladrão que me roubou estava louco para que eu reagisse e ele pudesse, em sua mente doentia, justificar sua sede por agredir estranhos na rua. Além disso, ele quer que eu sinta raiva dele, que eu chore as fotos, músicas e vídeos perdidos, como se fossem o tesouro mais incalculável que eu acumulei nessa vida. Assim como nos outros exemplos citados, dos romanos aos playboys cariocas, passando pelos radicais islâmicos, os agressores precisam de uma reação de suas vítimas para justificarem a agressão que infligem. Se reagirmos como os agressores desejam, damos a vitória a eles. Mas se ousamos sorrir depois de sermos nocauteados por eles, se ousamos seguir com nossas vidas, eles perdem.
Numa vida cheia breve e incerta, onde a única certeza que temos é a iminência da morte, faz sentido gastar tanto tempo pautando-nos pelos outros? Vale a pena viver a partir de reação a estímulos externos como ratos de laboratório? Encarar a vida com leveza, aceitar que a vida não faz o menor sentido e que a única certeza nela é o seu fim é a chave para uma existência feliz. Se cada vez que nos derrubarem nós demorarmos a sair das cordas, no final de nossa jornada teremos desperdiçado tempo demais contemplando a dor da derrota e tempo de menos fazendo aquilo que fomos enviados para fazer neste planeta: viver, ou seja, ter experiências.
Algumas experiências serão boas e outras serão ruins. Nem sempre seremos capazes de controlar nossas vidas para que elas sejam preenchidas apenas por experiências boas. Mesmo que consigamos atingir o nirvana, o mundo foge do nosso controle e atrapalha nossa busca pela paz. Mas podemos — e devemos — buscar minimizar o efeito daqueles que desejam tirar nossa paz e nos colocar em posição de conflito, daqueles que buscam uma declaração de guerra assinada por nós. O segredo da vida é não reagirmos da forma que as outras pessoas esperam que vamos reagir.
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