O brasileiro é o povo mais cordial do mundo. Desde que você concorde com ele em tudo. A partir do momento em que você discorda de um brasileiro - seja no campo da política, do futebol, da novela ou da religião - ele se torna violento e autoritário, sendo capaz de exalar um ódio visceral contra a mais doce das criaturas para defender seu ponto de vista. O brasileiro médio tem dificuldade em entender que cada um possui uma criação diferente, uma formação diferente, uma história de vida diferente, um jeito de ver o mundo diferente e que, por causa disso, nem todo mundo pensa igual a ele. Na classe média, então, é pior. Ela se tranca em condomínios com gente que se parece com ela e que passa por quase as mesmas experiências. Quase todos os brasileiros de classe média têm os mesmos hábitos: Frequentam os mesmos lugares, vão aos mesmos shows e festas, leem as mesmas notícias em veículos diferentes (a mídia brasileira é uma das mais concentradas do mundo segundo a ONG Repórteres Sem Fronteiras) e possuem as mesmas fontes de entretenimento e lazer. Quando obtêm um diploma de ensino superior aí é que se julgam superiores ao resto da humanidade por terem conseguido um privilégio que na verdade deveria ser um dever do Estado e um direito de todos.
O brasileiro de classe média gosta de ser chamado de "doutor". Ele gosta de se sentir diferenciado do resto dos brasileiros, dos quais se isola seja através da imersão na realidade paralela da Veja ou do refúgio em condomínios horizontais ou verticais. O Brasil é um dos únicos países do mundo onde quem é formado em Direito automaticamente vira doutor. E isso, pasmem, é usado como argumento nas discussões políticas. Ontem, um amigo do Facebook (o neto do ex-presidente João Goulart) indagou seus seguidores: "quem você gostaria de ver candidato à presidência da República em 2018?". Naturalmente uma pessoa escreveu: "Lula". Outra comentou: "Lula em 2018 vai estar na cadeia". Ela não soube nem explicar porque deseja ver o ex-presidente na cadeia e desandou a xingar todo mundo que discordava dela. Primeiro ela desejou que todos os petistas morressem de fome. Aí eu expliquei a ela que esse risco ficou lá atrás. Em seguida ela xingou todo mundo que discordava dela e ainda soltou essa: "sou advogada". Aí eu expliquei a ela que falácia de autoridade e xingamentos não são argumentos e que se ela quisesse apresentar fatos e ideias que a levassem a ser contra o Lula eu debateria com ela de bom grado. Sumiu.
Nas redes sociais é assim. |
Qual é o problema em ser petista ou tucano, católico ou evangélico, corintiano ou flamenguista? Até onde eu sei tudo isso é permitido pela legislação do Brasil, que desde 1988 é uma democracia laica que garante a liberdade de expressão. Se você discorda que uma pessoa adote uma dessas posições, apresente a ela suas ideias. Não é xingando e desejando que todo mundo morra de fome que você vai conseguir convencer alguém a mudar de ideia. E isso vale para tudo, não só para o campo da política. Quantas vezes, durante as discussões sobre a redução da maioridade penal as pessoas não apelavam para a falácia da emoção: "Queria ver se um menor matasse um membro da sua família". Esse argumento é desmontado de maneira simples: Ari Friedenbach, pai da jovem Liana, assassinada por um menor de idade, é contra a redução da maioridade penal. Antes ele era a favor. Se agora ele mudou de opinião é porque deve ter lido sobre o assunto e não formulado seu pensamento através das falácias presentes no senso comum. Desmontada a falácia da emoção, vem em seguida o ódio puro: "Espero que você seja morto por um menor". É o tipo de argumento que as pessoas não têm coragem de apresentar face a face, mas que se torna cada vez mais comum nas redes sociais, onde a compaixão e a racionalidade são baixas e a coragem é alta.
Isso tudo só demonstra que ainda temos muito que crescer como país. Dizem que somos uma das maiores nações cristãs do mundo. Mas pelo pouco que conheço de Cristo ele aceitava desde colaboradores a opositores do regime romano em sua caminhada. Há algo de muito errado numa nação que se diz cristã e não apreendeu o maior ensinamento de cristo: a unidade na diversidade; somos todos iguais aos olhos de Cristo, independente de nossas diferenças. Que tipo de sociedade estamos nos tornando quando deixamos o ódio pautar as principais discussões? O ódio a todo mundo que não se assemelhava ao alemão médio - judeus, ciganos, gays, pessoas com deficiência, etc. - era o que pautava a sociedade alemã na década de 1930. Será que somos tão inseguros assim de nossas posições que o único meio que conhecemos para defendê-las é o ódio e o desejo de extermínio dos diferentes? Qual é o motivo para tanto medo e repulsa a quem pensa diferente de nós? Será que os diferentes não podem nos ensinar absolutamente nada? Será que tudo aquilo que eles pensam é nulo? Você não precisa concordar com tudo o que as pessoas dizem, mas também não precisa odiá-las por defender aquilo que elas julgam ser melhor para si e para o mundo. A intolerância às diferenças nos custam valorosas experiências de troca. As diferenças podem nos fazer crescer ou nos destruirmos. A escolha é sua.
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