terça-feira, 4 de agosto de 2015

Revolucionário é dominar a própria consciência (e usá-la)

Meu relacionamento com as drogas sempre foi o que se pode chamar de "careta". Nunca gostei de tomar drogas, mesmo aquelas cujo comércio e produção são sancionados pelo Estado e que movimentam uma indústria bilionária. Atualmente, qualquer problema - da falta de apetite à incapacidade de perder peso, da insônia ao sono excessivo - é tratado com drogas lícitas. Isso começou a se tornar visível para mim nos anos 1990, com o surgimento da "indústria da felicidade" através da massificação do Prozac. Daí vem minha desconfiança à maneira como as drogas são apresentadas de maneira simplista na mídia como solução para todos os problemas da vida. Não é, ou não deveria ser segredo para ninguém que parte significativa dos gastos da indústria farmacêutica é com a compra de médicos. O que compromete a credibilidade da classe médica; toda vez que um médico me prescreve um medicamento, me indago: "Será que ele está recebendo para fazer isso?".

Minha desconfiança às drogas - lícitas e ilícitas - faz com que a resistência do meu organismo a elas seja extremamente baixa. Quase não bebo. Nunca fumei. Não gosto nem mesmo de tomar remédio para dor de cabeça. Fico bêbado extremamente rápido e anti-inflamatórios me fazem dormir. Quando tentei experimentar maconha (uma das piores experiências da minha vida), passei mal. A sensação era como se tivesse levado uma porrada na cabeça. Não tenho aqui a intenção de adotar uma posição moralista e dizer às pessoas o que elas devem ou não introduzir em seus próprios corpos. Sou intransigente na defesa às liberdades pessoais. Cada um é senhor de si e sabe o que seu corpo pode suportar. No entanto, parece-me sábio compreender que cada escolha pessoal implica numa consequência; não só para o indivíduo mas também para a sociedade em que ele está inserido, pois nossas vidas estão todas interconectadas nesse mundo cada vez mais globalizado. 

Dito isso, impressionou-me descobrir que o Panteras Negras, partido político marxista dos EUA, formado por negros que lutavam contra o racismo e o capitalismo nos anos 1970, proibia seus membros de consumirem drogas ilícitas. Isso num momento em que o acesso a elas se tornava cada vez mais facilitado. O movimento hippie, que defendia que as pessoas conseguiriam atingir um novo estágio de consciência através do uso de drogas como LSD e maconha estava em seu ápice. Trata-se de uma forma encontrada pelos jovens da contracultura do final dos anos 1960 de se rebelar contra a sociedade rígida, conservadora, moralista e hipócrita daquela época. Soou-me estranho: um partido que defendia a liberdade acima de tudo, surgido naquela época, era contra as drogas. Pareceu-me uma posição completamente contrária não só aos movimentos revolucionários dos anos 1960 como também aos atuais partidos de esquerda. No entanto, o Panteras Negras possuía uma formulação teórica para essa proibição.

"Capitalismo + droga = genocídio".
Panfleto dos Panteras Negras.
A proibição aos militantes de usarem drogas surgia da pergunta: "a quem interessa que as pessoas marginalizadas pela sociedade sejam viciadas em crack, heroína ou demais drogas de alto poder entorpecente?". Pergunta essa que mantém-se atual na minha opinião. Segundo o Panteras Negras, as drogas pesadas tornam os povos oprimidos dopados, tirando-lhes a consciência dos problemas político-sociais e, assim, a capacidade de lutar por seus direitos. Seria, portanto, uma distração da luta antirracista e anticapitalista do partido. Lembrando que eles não eram contra a maconha, droga 114 vezes mais segura que o álcool, e sim contra as drogas que deixam seus usuários dopados. O crack - considerada uma droga sem "porta de saída" devido a seu alto poder destrutivo - transformou (e ainda transforma) potenciais líderes comunitários em prostitutas, viciados, traficantes e "aviãozinhos". Quantas lideranças políticas, artistas, intelectuais, questionadores e transformadores sociais o Brasil já não deve ter perdido para o crack? Ponto para aqueles que lucram com o atual sistema político-social, um dos mais injustos do mundo.

Além disso, há outro aspecto do consumo desenfreado de drogas em comunidades negras e pobres que interessa aos defensores e mantenedores do status quo: a Guerra às Drogas. O consumo de drogas por populações negras e pobres serve para justificar a ação violenta das polícias nas favelas, estejam elas localizadas no Rio de Janeiro ou em Baltimore. A criminalização dessas regiões é complementada por programas de televisão como Balanço Geral ou Cidade Alerta, que criminalizam ainda mais as vítimas de um sistema social injusto, onde a única forma de lazer que aqueles extremamente oprimidos encontram é no uso de drogas que lhes tiram o sorriso, a saúde e a vida. Não foi à toa que Pepe Mujica proibiu esse tipo de programa antes de legalizar o consumo recreativo de maconha no Uruguai. Fazem um pseudo-jornalismo que se vale do senso comum para justificar a eugenia. Ao invés do tratamento, pregam o extermínio.

Uma coisa é óbvia: Nossa sociedade é doente. E, ao invés de enfrentar sua doença, dopa-se e esconde dos verdadeiros problemas. A frustração por vivermos num sistema onde uma pessoa herda matéria-prima e até mesmo mão-de-obra é escondida através da dopagem. Ao contrário do que os hippies pregavam, ninguém mais usa droga para atingir novos estágios de consciência e, assim, refletir melhor sobre os problemas da sociedade. Maconha nem é mais considerado droga. Se se é rico, cheira-se cocaína para esquecer que você nada mais é do que um sobrenome. Se se é pobre, fuma-se crack para esquecer que, por mais que você tente, nunca conseguirá chegar onde os ricos estão. O fato é que, nesse mundo doente em que vivemos, onde quase todos se encontram dopados, seja por álcool, cocaína ou diazepam, o revolucionário não é mais usar drogas. O revolucionário é não usar nada e dominar sua própria consciência para poder perceber a deplorável situação social e denunciá-la.

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