No final de semana assisti ao documentário Happy (2011) no Netflix. Nele, o cineasta Rolo Belić busca, através de entrevistas com neurocientistas, psicólogos e pessoas comuns, desvendar o segredo por trás da felicidade. Cientificamente falando, o que torna um indivíduo feliz? Segundo os especialistas ouvidos no documentário, 50% da nossa felicidade é determinada por fatores genéticos, 40% é determinado por nossas ações individuais e 10% é determinado por fatores ambientais. Mas que ações são essas que podemos fazer para encontrarmos a felicidade? A principal delas é a prática de atividade física, que libera dopamina, substância responsável pela sensação de prazer e cuja deficiência pode causar, dentre outros males, a doença de Parkinson.
E, socialmente falando, o que determina a felicidade? Definitivamente não é o dinheiro. Os americanos de 50 anos atrás, apesar de possuírem renda média muito inferior, eram mais felizes que os americanos de hoje. É inconcebível imaginar que pessoas que gastavam horas com tarefas consideradas simples hoje em dia - como lavar e passar roupa, fazer comida e limpar a casa - eram mais felizes do que nós. Mas é comprovado que, após supridas as necessidades básicas, como comprar comida e pagar as contas, o dinheiro deixa de ter efeito significativo sobre a felicidade de um indivíduo. Se é verdadeira a afirmação de que a felicidade não paga as contas, é mais verdadeira ainda a afirmação de que o dinheiro não compra a felicidade.
As pessoas felizes respondem mais facilmente às adversidades da vida e satisfazem mais suas necessidades intrínsecas do que as extrínsecas. Aceitar o fato de que adversidades vão acontecer é uma regra entre as pessoas mais felizes. Uma das entrevistadas, que foi miss durante a adolescência, teve parte do rosto paralisado após ser atropelada por uma picape. Ela diz que só conseguiu retomar sua vida após aceitar o que lhe ocorreu: "Eu percebi que não entendo [o ocorrido], mas não preciso entender". Desde então, conseguiu reconstruir sua vida e tornou-se uma pessoa feliz. Ter uma boa aparência era, no final das contas, uma necessidade extrínseca de seu ser, enquanto as necessidades intrínsecas envolvem o crescimento pessoal, as relações interpessoais e a vida comunitária. Quanto mais buscamos agir no sentido de suprir nossas necessidades intrínsecas, mais felizes somos.
Duas regiões mostradas no documentário, consideradas lares de pessoas felizes, valorizam justamente a vida comunitária: a Dinamarca e a ilha de Okinawa, no Japão. A Dinamarca, além de oferecer uma série de benefícios universais para seus cidadãos, como a saúde e a educação, ainda estimula a vida em conjuntos habitacionais, verdadeiras comunas onde as tarefas são divididas e o afeto idem. Já em Okinawa os cidadãos valorizam o ichariba chode, expressão que traduz o ato de tornar-se irmão de quem você acabou de conhecer, ajudando-o naquilo que ele precisar. De fato, todas as pessoas apontadas como felizes pelos pesquisadores, sem exceção, possuíam tinham proximidade com familiares e amigos. Não que se dessem bem com todos seus familiares, mas essa era uma característica comum.
Deve-se notar, no entanto, que nem todas as relações comunitárias levam o indivíduo à felicidade. Pessoas envolvidas em grupos religiosos radicais são tão infelizes quanto aquelas que não participam de comunidade alguma. Além disso, o ambiente de trabalho, apesar de comunitário, pode levar também à infelicidade. Na maior parte do Japão as pessoas trabalham tanto que são comuns os casos de infarto no trabalho, síndrome essa chamada de karoshi. Segundo o documentário, o Japão é o país mais infeliz do mundo industrializado. Isso se justifica historicamente. Após a destruição do país pelo Exército americano durante a Segunda Guerra Mundial, o governo japonês mobilizou a mão-de-obra para reconstruir a nação e, para isso, criou uma cultura que valorizasse o trabalho árduo e a conquista de bens materiais.
Quanto às relações interpessoais, descobriu-se que ajudar os outros libera tanta dopamina no organismo quanto o consumo de cocaína. Trata-se da forma mais fácil, segura e barata de se ter um "barato". É comum ouvirmos de nossas mães que elas têm prazer de cuidar de nós. Eu nunca entendi muito bem isso, até agora. Ao cuidar de seu filho, uma mãe recebe um fluxo maior de dopamina em seu organismo que se tivesse fumado maconha. E, segundo os cientistas, é algo quase que natural. Se precisarem escolher entre a competição e a cooperação, os indivíduos escolhem sempre a última opção. Segundo o Dalai Lama, são nossas mães que nos transmitem a compaixão. Nascemos e, instintivamente, a primeira coisa que ela faz é nos amamentar, como se a compaixão estivesse no sangue dela.
Nosso mundo está cheio de pessoas ansiosas, depressivas, insatisfeitas com a vida e, consequentemente, infelizes, devido ao fato de que o sistema econômico vigente na maior parte do planeta não valoriza a realização pessoal. Devemos ter coisas para sermos alguém e, quando não conseguimos acumular bens materiais, nos frustramos. E, mesmo que tenhamos coisas, somos comparados com pessoas que têm mais o tempo todo, pois a essência do capitalismo é a competição. Pensando nisso, o pequeno Reino do Butão, localizado entre a China e a Índia, decidiu parar de destruir seu meio-ambiente para seguir as metas econômicas impostas por organismos internacionais e decidiu criar seu próprio medidor de desempenho: a Felicidade Interna Bruta, que substituiu o Produto Interno Bruto.
Ainda não é possível dizer se a experiência butanesa foi bem sucedida, mas é uma bênção o fato do país ter invertido a ordem econômica vigente, priorizando a manutenção dos recursos naturais para garantir o bem-estar de seu povo. Na pequena nação a lei determina que 60% de seu território será sempre composto por florestas. Poderia-se, por exemplo, construir hidrelétricas e vender o excedente de energia para a Índia, mas a que custo? Um custo altíssimo para a qualidade de vida da população. Ao garantir o direito à felicidade inscrito na Constituição americana, mas nunca encarado como uma obrigação pelos governos daquele país, as nações podem caminhar rumo à paz social. Pessoas felizes não roubam, não matam e não descontam suas frustrações de ordem pessoal nas outras pessoas em geral.
Ao nos focarmos mais no que nós esperamos de nós mesmos do que naquilo que a sociedade espera de nós - o dinheiro, o status social e a aparência física (as tais das necessidades extrínsecas) - poderíamos construir uma comunidade mais feliz e, consequentemente, uma sociedade mais harmoniosa. Não precisaríamos agir de modo anti-ético, o que envolve desde a corrupção generalizada em todas as classes sociais do Brasil até o assalto à mão armada, passando pela interminável pilhagem de terras indígenas, para atingir nossos objetivos, que seriam verdadeiramente nossos e não da sociedade. Se você acha que precisa eliminar alguém para atingir a felicidade, então provavelmente aquilo que você busca não é a felicidade, pois esta envolve, conforme dito anteriormente, as necessidades intrínsecas do ser humano (atingir metas pessoais, viver em comunidade e manter relações interpessoais).
"As coisas que geram a felicidade são grátis e, quanto mais alguém é feliz, mais todos são felizes", conclui Belić no final de seu documentário,
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