domingo, 15 de novembro de 2015

O que 11/09 e 13/11 têm em comum?

O que os recentes atentados de terroristas islâmicos em Paris têm em comum com os atentados de 11 de setembro em Nova York? Ambas as cidades são símbolos de seus respectivos países e continentes. Paris é a capital cultural da Europa e Nova York, da América Norte. São cidades onde concepções de mundo se chocam o tempo todo. Por exemplo: no início do ano judeus anti e pró-ocupação da Palestina entraram em confronto na Times Square. Tanto em Paris quanto em Nova York há uma guerra cultural que está sendo amplificada pela atual crise econômica global. Já é de conhecimento até do mundo mineral que crises propiciam o surgimento do radicalismo ideológico, seja ele de cunho político ou religioso.

Quando Osama bin Laden orquestrou os atentados de 11 de setembro de 2001 às Torres Gêmeas de Nova York, ele quis atingir não só o sistema financeiro da cidade que possui o maior PIB do mundo. Ele quis também atacar seu multiculturalismo. Nova York é a cidade mais etnicamente diversa do mundo. É o município dos Estados Unidos com mais negros, latinos, judeus, muçulmanos, asiáticos e gays. Catolicismo, judaísmo e islã são as três religiões mais praticadas na cidade, respectivamente, enquanto cerca de 800 idiomas são falados localmente. Aceitar o desafio de ser um cidadão desse município implica num exercício diário de convivência e tolerância ao diferente, ao Outro da psicologia.

Na Cabul homogeneizada por radicais islâmicos, Nova York era vista como o Outro que deveria ser atacado. Para os radicais – aqueles que recusam a interpretação do Outro para os fenômenos sócio-políticos e sobrenaturais – conviver com o Outro implica em aceitar e até mesmo endossar sua ideologia. Em seus vídeos, bin Laden afirmava que os Estados Unidos foram punidos com os atentados de 11 de setembro devido à "corrupção moral" de seus cidadãos. Nem mesmo a existência de uma mesquita no World Trade Center poupou a destruição do edifício. Na visão dos radicais islâmicos, se um muçulmano aceita se expor ao "estilo de vida degradante" dos americanos, é tão infiel quanto eles.

Os vídeos de Osama bin Laden pouco se diferenciam dos vídeos caseiros que viraram febre nos grupos de WhatsApp administrados por membros da direita raivosa do Brasil. Tudo começou com Olavo de Carvalho, um expert em teorias da conspiração – como a predominância do "marxismo cultural" nas universidades brasileiras ou a produção de refrigerantes a partir de fetos abortados – que denunciava para seus seguidores a necessidade de se combater as ideias progressistas na sociedade brasileira. Estes, por sua vez, entraram na onda de seu mestre e agora gravam vídeos pedindo do assassinato da presidenta Dilma Rousseff à aniquilação dos membros do Partido dos Trabalhadores, em vídeos que orgulhariam ao próprio bin Laden.

Paris, assim como Nova York, é uma cidade muito heterogênea, embora em escala um pouco menor. A capital francesa abriga diversas comunidades de estrangeiros, sobretudo das ex-colônias francesas na África. Cerca de 20% dos parisienses nasceram fora da França, segundo dados do censo de 2011. É uma cidade tão etnicamente diversa ao ponto de que o policial assassinado pelos terroristas em fuga que haviam acabado de atacar a sede do semanário Charlie Hebdo era muçulmano. Só que, ao contrário de Nova York, a atual crise econômica castiga mais duramente a capital da França. É aí que a narrativa de eliminação do Outro, que estaria impedindo a sociedade de prosperar, seja ele muçulmano, judeu, socialista ou ateu, ganha força.

No começo do ano, presenciamos ataques de franceses de origem muçulmana que não foram integrados à sociedade local e acabaram sendo atraídos pelo discurso radical, que nega a coexistência com o diferente e aponta-o como um empecilho à felicidade pessoal. O Outro que estaria impedindo a prosperidade dos muçulmanos na França era composto pelos ateus (chargistas do Charlie Hebdo) e pelos judeus (comerciantes do mercado kosher de Porte de Vincennes). Agora, os ataques foram organizados por uma entidade externa, o Estado Islâmico, assumindo um discurso parecido ao da al-Qaeda quando dos atentados de 11 de setembro. Paris foi descrita pelos terroristas como sendo "a capital da abominação e da perversão da Europa".

Os ataques em Paris (13/11/2015) e Nova York (11/09/2001) têm em comum o fato de que ambos representam ataques à heterogeneidade. Foram orquestrados por mentes que não aceitam a ideia de viver num mundo onde as culturas coexistam pacificamente, respeitando umas às outras. Não é à toa que o Facebook – que facilmente nos divide em grupos: democratas e republicanos, petistas e tucanos, crentes e não-crentes, reacionários e revolucionários, etc. – seja uma ferramenta tão eficaz para o Estado Islâmico recrutar novos soldados. Dividimo-nos em grupos, recebemos informações filtradas segundo nossa visão de mundo e nos tornamos cada vez mais intolerantes ao pensamento divergente. É uma ágora de pombos enxadristas.

Presenciamos o começo do ataque ao multiculturalismo (por grupos internos) também aqui no Brasil, em nossa metrópole mais heterogênea. Os haitianos foram eleitos por uma minoria que se julga prejudicada como o Outro que atrapalha o bem-estar da sociedade. Eles estariam vindo ao Brasil para "roubar os empregos" dos brasileiros e, assim sendo, precisam ser eliminados. Há poucos meses, refugiados haitianos foram atacados na porta de uma igreja em São Paulo. Apenas mais um pequeno exemplo de que o grande conflito do mundo contemporâneo é saber lidar com sua diversidade cultural. Enquanto não aprendermos a aceitar uns aos outros, cidades que simbolizam o multiculturalismo continuarão sendo vítimas de ataques.

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