A mídia brasileira é uma das mais irresponsáveis do mundo. Há treze anos acusa os membros de um só partido de corrupção e silencia sobre os desvios cometidos por membros de outros partidos, alguns dos quais são sócios/donos de empresas mídia. Isso acabou por gerar no público desses veículos um ódio descomunal a esse partido e a toda pessoa associada a ele, pois, para quem se informa pela mídia brasileira, parece que o país era o reino da moralidade no serviço público até aquele fatídico dia 1° de janeiro de 2003, quando Luiz Inácio Lula da Silva tomou posse e inventou a corrupção. Para quem se faz de bobo ou para quem realmente não sabe, o antecessor de Lula comprou deputados para que votassem a favor da emenda que lhe garantiria o direito de concorrer novamente à presidência. Ou, caso prefiram um exemplo menos controverso, Abraham Lincoln comprou deputados para que votassem a favor do projeto de lei que aboliria a escravidão nos EUA. A corrupção não é um fenômeno recente e, muito menos, brasileiro, como demonstra essa lista.
No último dia 18, mulheres negras que marchavam contra o racismo na Esplanada dos Ministérios em Brasília foram atacadas por soldados anti-PT que se encontravam no local. Protestos assim são comuns em qualquer lugar do mundo e costumam atravessar as barreiras partidárias. Não no Brasil. Afinal de contas, mulheres negras, em sua maioria, votaram na candidata do PT na última eleição, logo, segundo a lógica de quem nunca leu Aristóteles e dificilmente conseguiria fechar a prova de raciocínio lógico de um concurso, isso significa que elas são corruptas também. Lunáticos acampados no local para exigir a renúncia de uma presidenta legitimamente eleita e reeleita por seu povo atacaram as militantes negras com paus, bombas e houve até mesmo quem desse tiros para cima. Uma pequena amostra do "Brasil sem PT" que eles querem construir. No "novo Brasil", a única forma válida de protesto é aquele que concorde com o ponto de vista deles.
Essa violência, por enquanto mais simbólica do que real, vem sendo alimentada há um ano por uma mídia decadente. Décadence sans élegance. As grandes corporações de mídia apostam todas suas fichas na derrubada da presidenta Dilma Rousseff porque não conseguem sobreviver mais quatro anos com verbas estatais cada vez mais minguantes – e, agora, com o ajuste fiscal, é que vão ficar ainda mais minguantes. É interessante ver quem tanto prega a meritocracia e o liberalismo econômico tendo dificuldades em garantir sua existência sem as generosas tetas do Estado brasileiro. A Rede Globo, por exemplo, jamais existiria sem os subsídios que a ditadura militar lhe deu para massificar a cultura, dar um tiro fatal na contracultura e transformar o Brasil no país do senso comum. A revista Veja, por outro lado, já teria acabado há alguns anos sem o contrato que firmou, sem licitação, com o governo de Geraldo Alckmin para distribuir seu lixo tóxico nas escolas paulistas.
Eu achei, na minha inocência, que a mídia brasileira perceberia que incitar o caos é ruim para todos – inclusive para ela – e iria abafar a sandice golpista surgida do choro dos perdedores da última campanha presidencial. É o que ocorre em países minimamente civilizados. Até mesmo nos EUA que nossa imprensa tanto exalta. A não ser pela ultrarreacionária, machista e racista FOX News, nenhum grande veículo de comunicação dos EUA leva a sério os pedidos de renúncia do presidente Barack Obama que, ao contrário de Dilma, comanda um Exército que usa aviões não-tripulados para matar crianças e mulheres no Paquistão. Apesar da campanha de difamação promovida por uma minoria de fanáticos, com acesso irrestrito à FOX News, a maioria dos oposicionistas não acredita em teorias da conspiração contra o presidente (como as que afirmam que ele não teria nascido no país e que seria muçulmano em segredo) e líderes oposicionistas como Chris Christie e Lindsey Graham criticam os republicanos que vocalizam essas teorias.
Ledo engano o meu de achar que moramos num país onde a mídia é séria e se preocupa com seu povo. O terrorismo midiático afugenta investimentos – nacionais e estrangeiros – e tem como propósito único minar a retomada do crescimento econômico, para que o PT seja eliminado dos espaços de decisão e a farra da publicidade estatal dos tempos FHC retorne. Aécio Neves é tão ou mais corrupto do que o PT, mas ele defende os interesses dos proprietários da mídia, afinal de contas, ele mesmo é um em Minas Gerais. É interessante as coisas que a mídia brasileira esconde por simples e puro interesse político-partidário. No auge da crise econômica da Era FHC, o então presidente dos EUA, Bill Clinton, deu um pito no seu colega brasileiro por não garantir direitos básicos aos mais pobres (naquela época, a cada 5 minutos uma criança morria de fome no país). Hoje, em campanha pela esposa, Bill disse que o Brasil, apesar das dificuldades, é um dos melhores lugares para se investir. Nenhuma dessas declarações apareceu no Jornal Nacional.
Seguindo a lógica dos que não estudaram lógica, Bill Clinton é petista, assim como as negras que não aguentam mais o racismo. Me admira muito o partido cujos fundadores estiveram quase todos envolvidos na luta pela redemocratização, apoiar essa lógica fascista de demonização de quem pensa diferente. O PSDB se junta à décadence sans élegance da grande mídia. É o triste fim do sobrenome Neves, que passou do inimigo N° 1 da ditadura a um playboy inconsequente sem o menor apreço pela estabilidade política do país que o tornou quem ele é. Será que é tão burro assim? Ele mesmo não representa mais a turma dos lunáticos que pedem a derrubada da presidenta. Corre o risco de, como Carlos Lacerda, orquestrar um golpe do qual não será o principal beneficiário. Mas seu ego gigantesco, não permite-lhe se afastar dos holofotes, como fizeram John McCain em 2008, José Serra em 2010 e Mitt Romney em 2012.
O que será que a mídia e o PSDB estão esperando acontecer para que percebam a inconsequência de suas ações? Estão alimentando um monstro. O "Gigante" acordado por eles em 2013 (aliás, esse era um slogan comum no Brasil pré-1964) é um analfabeto histórico-político e possui problemas psíquicos, não sabendo lidar com a frustração de não poder mais controlar todos os aspectos da vida social no Brasil. Mulher negra marchando em Brasília e dividindo o mesmo espaço público de protesto comigo? Não quero, vou dar uns tiros para cima para espantá-las. E se a violência desses lunáticos um dia sair do plano simbólico e for para o plano real? Será que a mídia brasileira está esperando eles matarem alguém para criar algum senso de responsabilidade pelo tipo de narrativa que cria? Esse tipo de jornalismo de torcida, que divide os brasileiros em "nós" e "eles", "do bem" e "do mau", ainda vai criar uma tragédia nacional.
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