terça-feira, 25 de outubro de 2016

Pode o novo nascer de práticas antigas?

O segundo turno das eleições municipais no Brasil não poderia ter sido marcado em data mais apropriada. Será no dia 30 de outubro, véspera do Dia das Bruxas. A disputa em cidades como Belo Horizonte, Porto Alegre e Goiânia — todas elas antigos redutos do Partido dos Trabalhadores — mais parece o enredo de um filme de terror. Candidatos de partidos de direita se digladiam naquela que deve ser a campanha mais baixa e menos propositiva de toda a história recente desses locais. Após ter subtraído 54,5 milhões de votos e tomado o poder central de assalto, a direita, que falou em voz uníssona durante o processo que culminou no golpe de Estado contra a presidenta Dilma Rousseff, agora digladia entre si para definir quem irá ditar os rumos da política nacional. Aqui em Goiânia a disputa será entre o velho coronel Iris Rezende (PMDB), patrocinado pelo senador Ronaldo Caiado (DEM), e o empresário Vanderlan Cardoso (PSB), ex-prefeito de Senador Canedo e candidato do governador Marconi Perillo (PSDB). Nenhum desses golpistas merecem o meu voto, mas precisamos falar sobre aquele que vem se apresentando como o "novo" para a população da capital.

Em qual Vanderlan devemos acreditar? No de 2010...
Em outubro de 2010, o então candidato a governador Iris Rezende fez um comício na Região Noroeste de Goiânia para receber o presidente Lula e a então candidata à presidência Dilma Rousseff. É inútil repetir que Iris e seu PMDB mais tarde trairiam Lula e entregariam Dilma aos lobos golpistas; isso todos já sabem. Vale frisar, no entanto, que neste comício Iris recebeu o apoio e o elogio de Vanderlan Cardoso, que também concorreu ao governo, mas não avançou para o segundo turno da disputa. Segundo Lula, a oposição aos tucanos em Goiás procurou-lhe para definir os nomes que concorreriam ao governo e ele abençoou as candidaturas tanto de Iris — com quem seu PT estava coligado — quanto de Vanderlan. Eu sei disso porque eu estava lá. Presenciei o discurso de Lula e também presenciei quando Vanderlan disse que o melhor para o futuro de Goiás era a eleição do ex-governador Iris Rezende, então recém-saído da prefeitura de Goiânia. Hoje, o mesmo Vanderlan ataca o peemedebista por sua aliança com o PT no passado, da qual ele também fez parte no segundo turno de 2010, e coloca-se como seu rival na disputa pela prefeitura da capital do Estado.

Vanderlan apresenta-se na televisão como uma espécie de "João Dória goiano". O empresário, dono da fábrica dos salgadinhos Micos, apresenta-se como um gestor que irá revolucionar a prefeitura ao aplicar à administração pública as práticas do mundo empresarial. Se há algo que o fenômeno Donald Trump nos ensinou é que a melhor maneira de construir uma candidatura viável nas democracias liberais hoje em dia é, além de denunciar os inimigos que estão destruindo a família tradicional, apresentar-se como o "não-político". Segundo a campanha do candidato socialista, Iris Rezende, do alto de seus quase 83 anos de idade, possui práticas políticas obsoletas. Não discordo, mas substituir as práticas paternalistas do velho coronel por "novas" práticas que incluem a privatização e a diminuição da máquina pública me parece como trocar seis por meia-dúzia. Além do mais, gostaria de saber o que provocou uma mudança tão súbita em Vanderlan em seis anos para que ele negasse tudo aquilo que disse para mim e outros eleitores goianienses naquele comício de 2010. Não padeço da doença da amnésia, tão comum a grandes parcelas do eleitorado brasileiro.

Em qual Vanderlan o eleitorado de Goiânia deve acreditar? No de 2010 ou no de 2016? E, mais importante de tudo, o que fez com que ele mudasse tão radicalmente de opinião sobre o governador Marconi Perillo, contra quem concorreu nas eleições de 2010 e 2014? Teria algo a ver com o enorme aporte financeiro que sua campanha recebeu desde que aceitou coligar-se com o PSDB, que governa, aparelha e dilapida o Estado há 18 anos? A rejeição aos tucanos em Goiânia é notória, então dessa vez o governador preferiu concorrer com alguém distante de seu grupo político e que apresenta-se como o "não-político", para conseguir a chance de abocanhar as finanças municipais também. A enorme estrutura de campanha que o PSDB forneceu a Vanderlan seria, segundo alguns, bancada pelos recentes desvios promovidos pelos tucanos na empresa estatal de saneamento, a Saneago. Vanderlan apresenta-se na disputa pela prefeitura de Goiânia como o novo, mas para ter uma chance real de finalmente chegar ao poder aliou-se com os políticos sujos e corruptos que tanto criticava em campanhas passadas. Fica a dúvida: pode o novo nascer de práticas antigas?

...ou no de 2016?
Ao aliar-se ao PSDB, Vanderlan incorreu na prática mais comum da "velha" política de Iris: o conchavo. O peemedebista já esteve coligado com todos os grupos políticos imagináveis, do PT ao DEM. Ao incorrer no primeiro e mais grave pecado do político ordinário, passou a diferenciar-se do oponente apenas no discurso. Na prática, são iguais: dois políticos que só visam o poder a qualquer custo e não estão nem aí para a ideologia dos partidos com os quais se coligam. O povo, que dizem representar, é um mero espectador na construção de suas alianças programáticas e partidárias. Por um momento, antes da eleição de 2010, cogitei votar em Vanderlan Cardoso para governador. A eterna polarização entre Iris e Marconi, que perdura desde que eu tinha oito anos de idade, me causa náuseas. No entanto, em determinado programa eleitoral, ele propôs conceder a administração das comunidades terapêuticas que tratam dependentes químicos para igrejas. Aquele foi o momento em que percebi que havia algo de velho no "novo" candidato. Foi ali que percebi que se tratava de um político "mais do mesmo", que confunde o Estado laico com sua crença religiosa pessoal.

Agora que Vanderlan aliou-se ao PSDB de Marconi Perillo. prometendo governar Goiânia, mas na verdade visando a eleição de 2018, tenho certeza absoluta de que ele é um político como outro qualquer. Por que uma pessoa que sequer mora em nossa cidade e que exerceu o cargo de prefeito de outra cidade completamente diferente está tão interessada em governá-la? Não é para "gerir" nossa Goiânia e melhorar a qualidade de vida de nosso povo. É para fazer palanque para o próximo pleito de governador. Marconi Perillo não pode concorrer ao governo em 2018, então nada melhor do que colocar alguém "novo", que não enfrentou grandes casos de corrupção em seu histórico político, para substituí-lo. Vanderlan apesenta-se como o "pós-político", mas a política dele é a mesma de sempre. Não sintam-se surpresos caso ele seja eleito prefeito e abandone a cidade para concorrer ao governo do Estado como o candidato pós-Marconi e, uma vez eleito, reproduza todas as práticas de Marconi Perillo e seu PSDB. Vocês foram avisados por quem percebeu a incongruência entre o discurso e a prática de Vanderlan Cardoso desde o início.

sexta-feira, 14 de outubro de 2016

Pátria educadora ou Haiti?

Quando escolheu "Pátria Educadora" como slogan de seu segundo mandato, Dilma Rousseff estava pensando nos royalties do pré-sal que ela, enquanto ministra-chefe da Casa Civil do governo Lula (2003—2010), havia garantido para a educação. Com o início da exploração da camada pré-sal dos campos petrolíferos descobertos pela Petrobras, a educação brasileira veria aportes de recursos jamais imaginados para o setor na história do Brasil. Inclusive, se houve um ministério que Dilma não descuidou no seu segundo e breve mandato, este ministério foi o MEC. Primeiro ela nomeou como ministro o ex-governador do Ceará, Cid Gomes, responsável por uma revolução no ensino médio daquele estado. Após um bate-boca com Eduardo Cunha, Gomes foi substituído pelo brilhante professor de filosofia da Universidade de São Paulo, Renato Janine Ribeiro, que introduziu o tema da violência de gênero no ENEM, para o desespero dos misóginos.

O pré-sal é, ao mesmo tempo, uma benção e uma maldição. Trata-se da maior riqueza mineral encontrada no século XXI. O PSDB, partido que representa os interesses das empresas internacionais na política brasileira, não iria deixar o PT usá-lo como bem entendesse. Primeiro, acionou seus contatos na imprensa (que, segundo a própria presidente da Associação Nacional de Jornais, virou um partido de oposição) para demonizar o PT de forma que os brasileiros passassem a achar que se tratava do partido mais corrupto da história da Via Láctea, embora o nível de corrupção em ambos os partidos seja praticamente o mesmo. Depois, demonizou a própria Petrobras, de forma a inviabilizar sua participação na exploração do pré-sal. Para isso, acionou seus contatos no Ministério Público e na Justiça para promover uma devassa nos contratos da empresa. A ideia a ser vendida à população era simples: o PT destruiu a empresa e só Sérgio Moro seria capaz de moralizá-la.

Ficou claro agora, no entanto, que a "moralização" da Petrobras não passou de um espetáculo político-midiático para justificar a entrega de nossa maior riqueza mineral para os estrangeiros. A empresa, supostamente destruída pelo PT — embora sua saúde financeira estivesse bem antes de ser atacada por agentes do próprio Estado brasileiro —, só irá se recuperar com a ajuda dos estrangeiros "bonzinhos". Afinal, tudo o que vem de fora é melhor, não é mesmo? Um próprio exemplo disso é o juiz Moro, que volta e meia faz cursos de treinamento, quer dizer, reciclagem nos Estados Unidos. Era preciso, no entanto, derrubar a presidente Dilma para concluir a transição do nosso petróleo para o estrangeiro. Entra em cena o PMDB. Michel Temer tentou negociar com Dilma para que ela entregasse o poder e mantivesse o cargo, mas ela não aceitou. Recentemente, o traidor confessou para empresários norte-americanos que Dilma caiu porque não aceitou sua Ponte Para o Futuro, que nada mais é do que a negação completa do projeto vencedor da eleição de 2014.

Pense no Haiti. Reze pelo Haiti. O Haiti é aqui.
Dilma preferiu cair do que sucumbir à pressão entreguista dos peemedebistas. Embora tenha colocado em prática uma tímida política de austeridade, ela jamais defendeu o corte de gastos na área social. Sua crença no Estado enquanto agente de transformação social custou-lhe o poder, assim como havia custado a João Goulart em 1964. Estava inflexível e precisava ser derrubada. Agora que foi feito isso, não há mais empecilhos para o desmonte do Estado social brasileiro. Na semana passada, a Câmara dos Deputados aprovou o Projeto de Lei 4567/16, que desobriga a Petrobras a participar na exploração de pelo menos 30% de cada bloco do pré-sal. Os argumentos dos deputados é que a Petrobras, após a devassa que sofreu na Lava Jato, não teria condições de arcar com as despesas de explorar os campos de petróleo. Estima-se que o Fundo Social do Petróleo, cuja 75% da arrecadação iria para a educação, deve perder quase 50 bilhões de reais com a mudança na legislação.

O referido projeto é de autoria do senador paulista José Serra que, segundo o WikiLeaks, é um informante da multinacional petrolífera Chevron no Brasil. Políticos como ele morrem de medo da melhoria do sistema educacional. A votação do último dia 5 fez-me lembrar de Caetano e Gil: "na TV, se você vir um deputado em pânico, mal dissimulado, diante de qualquer, mas qualquer mesmo, qualquer, qualquer plano de educação que pareça fácil, que pareça fácil e rápido, e vá representar uma ameaça de democratização do ensino de primeiro grau (...) pense no Haiti, reze pelo Haiti. O Haiti é aqui". O Brasil tinha uma escolha em suas mãos. Ou virava a "Pátria Educadora" ou virava o Haiti. Protestou nas ruas contra o primeiro e escolheu o segundo. Espero que estejam orgulhosos de sua escolha! Agora está claro para mim: nunca foi por passe livre, por "escola padrão FIFA" ou por uma política livre de corrupção. Foi para o Brasil voltar a ser o Haiti. Pode até não ter sido esse o desejo de todos que saíram às ruas, mas era o desejo dos organizadores e é o resultado que teremos.