quarta-feira, 16 de novembro de 2016

O fascismo está ficando pessoal

Guilherme Silva Neto (1996-2016).
Guilherme Silva Neto, estudante de matemática da Universidade Federal de Goiás, foi baleado pelo próprio pai a apenas 1,8 quilômetros de distância de onde eu moro. Após correr por alguns metros para tentar salvar a vida da abordagem violenta não de um estranho, mas sim do próprio pai, o jovem de 20 anos tombou na  Avenida República do Líbano, no Setor Aeroporto, onde tantas vezes eu almocei com a minha família aos domingos. Segundo a mãe do rapaz, o motivo da discussão que levou ao assassinato seguido de suicídio foi a participação do jovem nas ocupações da universidade. Não conhecia Guilherme pessoalmente, mas ao entrar no perfil dele no Facebook, impressionou-me o fato de sua última publicação pública ser sobre a festa "Rocknbeats Goiânia", que acontecerá na boate Diablo no próximo dia 26. Eu também havia confirmado presença nessa festa.

Também me chamou a atenção o fato de termos 12 amigos em comum: Anny Borges, que comemorou meu aniversário comigo no sábado; Euzebio Carvalho, professor da Universidade Estadual de Goiás que foi preso arbitrariamente durante assembleia estudantil realizada naquela entidade; Rafaela Lincoln Lima, que já organizou três festas nas quais eu fui; Vinicius Rafael, que já vi em diversos eventos; a talentosíssima Regiane Mendonça, que faz música de protesto contra o governo golpista; Flavio Rezende, que concorreu à vereança e sempre vejo em manifestações contra o golpe; Cris Cardoso, que deve ser uma das pessoas mais sensatas que conheci em 2016. Os demais — Cleber Valdêz Barboza, Lara Aragão, Lô Santos, Marcus Vinícius Huttenlocher — não conheço tão bem, mas adoraria conhecer. Todas essas pessoas têm em comum o fato de serem contra a PEC 241 e o assalto que PSDB e PMDB fizeram ao poder central do Brasil.

Ao que tudo indica, Guilherme era muito parecido comigo. Só que a diferença — fatal — é que sua casa não era um local seguro para ele. Ele foi morto de maneira premeditada pelo pai, que padecida da histeria anti-esquerda que acomete o Brasil desde pelo menos 2013. Esse tipo de violência por motivações políticas eu só conheci na rua. O louco, ensandecido, baleou o próprio filho cerca de dois anos após eu apanhar por — suspeito eu — ser um viado que estava andando na rua à noite com o adesivo da Dilma no peito. A disseminação do discurso fascista na sociedade brasileira me atinge de maneira cada vez mais pessoal. A mídia e seus seguidores cegos vão tentar tirar a responsabilidade deles da reta. Vão afirmar que o ocorrido no Dia da República em Goiânia foi uma fatalidade, como se a morte de Guilherme não fizesse parte de um contexto mais amplo da disseminação de ideias fascistas na sociedade brasileira.

Vão dizer que a morte do rapaz não tem nada a ver com a pregação de "pastores" anti-esquerda como Marco Antônio Villa, Joice Hasselmann, Diogo Mainardi, Rodrigo Constantino, Reinaldo Azevedo, Cristiana Lobo, Miriam Leitão, Alexandre Garcia, Arnaldo Jabor, William Waak, Danilo Gentili e Rachel Sheherazade, entre outros, que são os porta-vozes da dúzia de famílias que controlam a disseminação das informações no país. Mas o discurso desses comunicadores foi justamente o gatilho que o pai mentalmente instável do Guilherme precisava para embarcar de corpo e alma em sua paranoia antissocialista. Quando munidas de muito poder, uma dúzia de pessoas são capazes de produzir um estrago incomensurável numa sociedade. Primeiro destruíram as perspectivas de recuperação da economia brasileira para colocar PSDB e PMDB no poder. Agora, o exército de ignorantes políticos raivosos que criaram fazem mães enterrar os próprios filhos.

Nada irá trazer o Guilherme de volta. Sua luta, no entanto, não morre com ele. Mesmo com medo de sermos mortos por nossos próprios conhecidos, enxugamos nossas lágrimas e seguimos em frente. De minha parte, fico contente em saber que tinha uma dúzia de amigos em comum com a vítima dessa tragédia horrível em que fui envolvido indiretamente. Guilherme viverá nas lembranças dessas pessoas que, assim como ele, lutam a favor da justiça social e da solidariedade entre as pessoas. Guilherme vive nelas e espero que, através da partilha de experiências e lembranças, possa viver um pouquinho em mim também. Sinto como se já vivesse, devido às semelhanças entre nós que me fazem, ao mesmo tempo, temer pela minha vida e querer continuar lutando. Continuar a luta é algo que devo ao Guilherme, assassinado; ao Euzebio, preso arbitrariamente e a mim mesmo, espancado. Podem até ter levado sua presença física, mas Guilherme está presente!

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