quarta-feira, 22 de março de 2017

Por que as mulheres em posição de poder batem cabeças?

Acabei de assistir ao primeiro episódio de Feud: Bette and Joan, nova série antológica de Ryan Murphy e achei a produção simplesmente incrível. A cena inicial traz Olivia de Havilland, interpretada por Catherine Zeta-Jones, falando sobre a rixa entre Bette Davis e Joan Crawford. A primeira coisa que pensei foi: o que será que essa atriz, hoje com 100 anos de idade, teria a dizer sobre isso? (não sei se ela está lúcida ou não). Ela mesma tinha uma rixa com a irmã famosa, a também atriz Joan Fontaine (1917—2013), que certa vez disse: "Me casei primeiro, ganhei o Oscar primeiro e, se eu morrer primeiro, Olivia vai ficar chateada porque eu também fiz isso primeiro". Essa rixa, por si só, daria uma ótima temporada do seriado.

Susan Sarandon e Jessica Lange caracterizadas como Bette
Davis e Joan Crawford, respectivamente.
Após Olivia dizer que "rixas não são motivadas pelo ódio" — o que ela deve saber muito bem — o seriado começa de fato. A impressão que tive vendo o primeiro episódio é de que a história é mais focada em Joan Crawford (Jessica Lange) do que em Bette Davis (Susan Sarandon). E eu particularmente gostei mais da atuação de Jessica, apesar de que Susan é uma das minhas atrizes favoritas. Acho que Susan tem uma voz muito parecida com a da Bette e talvez esse tenha sido o fator principal que levou à escolha dela para interpretá-la. Os seriados de Ryan Murphy baseados em fatos e pessoas reais têm um problema de "casting". Assim como Cuba Gooding Jr. era muito pequeno para interpretar O.J. Simpson, Susan Sarandon é muito alta pra interpretar Bette Davis.

Após Joan abandonar uma premiação bêbada e amargurada com Marilyn Monroe, que mexeu com seu ego por estar conseguindo todos os papeis por causa de sua aparência, ela recebe uma visita da colunista de fofocas Hedda Hopper (Judy Davis), que ameaça-a com a publicação do fato a não ser que ela desse uma declaração amarga sobre a estrela do momento. Além disso, Joan, falida, anuncia à colunista que voltaria a atuar. Ela era, àquela altura, membro do conselho de diretores da Pepsi, cargo que herdou do marido falecido, mas não estava recebendo mais da empresa. Tampouco recebia ofertas de papeis de destaque na indústria cinematográfica. Como o seriado deixa bem claro, as atrizes velhas eram substituídas por carne nova assim que seus seios começassem a cair.

Joan conversa com seu agente e recebe uma pilha de roteiros. Os papéis que lhe são oferecidos são clichês e de pouco destaque. Então ela decide vasculhar livrarias e encontra o livro de horror O Que Terá Acontecido a Baby Jane? que, ironicamente, narra a rixa de duas atrizes, irmãs como Olivia de Havilland e Joan Fontaine, decadentes. Era o papel perfeito para alguém de sua idade. Ela convence o cineasta Robert Aldrich (Alfred Molina), que dirigiu seu último filme de sucesso, a adaptá-lo. E quer Bette, sua rival por papéis na década de 1940 na Warner Bros., como co-protagonista. Isso chamaria a atenção da mídia — visto que Bette detestava-a — o que tornaria o filme um sucesso e também daria-lhe a oportunidade de provar à rival de que era uma boa atriz.

O diretor tenta vender a ideia para os estúdios, mas é rejeitado ora por causa de seu currículo recheado de filmes B ora por causa das protagonistas, consideradas velhas demais. Sua última alternativa é a Warner, mas Jack Warner (Stanley Tucci) rechaça violentamente a ideia por causa da batalha judicial movida por Bette contra ele, que acabou por garantir direitos trabalhistas para os atores. Ele aceita com certa relutância após ser persuadido de que o filme traria publicidade e lucro para o estúdio, que tenta conter a fuga de espectadores para a televisão. Jack Warner personifica o sexismo da indústria. Mas Feud levanta um tema ainda pouco discutido quando fala-se em machismo: a inveja de uma mulher a outra em posição social equivalente ou mais elevada do que a dela.

O seriado deixa claro como cada uma conquistou tal posição. Bette sacrificou a vida pessoal a favor da carreira e era dura no trato com quem tentava tirar proveito dela. Joan, por sua vez, era gentil com todos e valia-se do flerte como arma. Ambos os estilos encontram paralelo na crise político-institucional do Brasil. Assim como Joan ressentia-se por estar abaixo de Bette em nível de reconhecimento profissional entre as atrizes de sua geração, Carmen Lúcia ressentia-se por estar abaixo de Dilma Rousseff entre os poderes da República. E se Carmen faz a linha Joan, Dilma definitivamente lembra Bette, fazendo as coisas de seu jeito e levando todo o crédito de seu sucesso e de seu fracasso para si. Carmen aceitou golpear a democracia para ser a única mulher em cargo de comando da República.

A personagem de Hedda Hopper atua como uma máquina anti-sororidade, alimentando as rixas que impediam que atrizes criassem um laço de amizade entre si. Tudo isso para vender mais cópias dos jornais para os quais escrevia sua coluna. Judy Davis está impecável no papel de Hedda e deve receber algumas indicações a prêmios por ele, assim como Susan e Jessica, que na minha opinião merece o Emmy de melhor atriz em minissérie. Mas o que mais me chamou a atenção em Feud, é que, embora retrate uma outra época, em que os atores eram tão despreocupados com os fãs a ponto de recebê-los em suas casas, traz uma questão bem atual para a sociedade: Por que duas mulheres em posição de poder sempre batem cabeças? No final das contas, é disso que se trata a rixa que dá nome ao seriado e que ele pretende explorar. Mal posso esperar para ver qual é sua conclusão disso.

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