sábado, 30 de abril de 2016

O último dia do trabalhador


Programação do ato em comemoração ao dia
do trabalhador de 2016 em Goiânia.
Hoje começam as comemorações unificadas da Central Única dos Trabalhadores (CUT) e da Central dos Trabalhadores e Trabalhadoras do Brasil (CTB) pelo dia do trabalhador. Durante todo o dia 30 de abril e 1° de maio ocorrerão atividades na Praça do Trabalhador, em Goiânia, em homenagem àqueles que a Constituição Federal de 1988 reconhece como a parcela mais frágil da sociedade brasileira. Foi neste texto constitucional que os trabalhadores brasileiros ganharam direitos até então inéditos como a jornada de trabalho de oito horas diárias, o décimo-terceiro salário, o aviso prévio, a licença-maternidade e paternidade e a mobilização grevista. Para os que ingressaram no mercado de trabalho após a vigência da Constituição de 1988 parece que esses direitos sempre existiram e que jamais poderão ser retirados deles. 

Atualmente, no entanto, vimos uma enorme pressão do setor empresarial — sob a batuta da FIESP — para derrubar o governo constitucional do Brasil e, com ele, diversas medidas de proteção ao trabalhador. Na sexta-feira, o presidente do Tribunal Superior do Trabalho, Ives Gandra Filho, anunciou que se não houver realocação de verbas para o órgão até agosto, ele deve parar por completo. Se tudo der certo para os golpistas, em agosto Michel Temer já será o presidente do Brasil, escolhido não pelo povo, mas pelos representantes dos empresários no Congresso Nacional que terão derrubado Dilma Rousseff. Entre as medidas defendidas pelo futuro presidente que impactarão diretamente na qualidade de vida dos trabalhadores estão o fim do reajuste automático do salário mínimo com base na taxa de inflação e a prevalência de acordos coletivos sobre a legislação trabalhista.

Temer deve aproveitar que seu correligionário Eduardo Cunha atualmente possui controle sobre cerca de 2/3 dos deputados federais e apresentar seu "pacote de maldades" ao Congresso já nas primeiras semanas após o afastamento de Dilma. Assusta saber que, com esse número de deputados, a dupla Temer—Cunha consegue até mesmo modificar a Constituição, retirando dos trabalhadores direitos consolidados há quase trinta anos. Os brasileiros não devem aceitar o retrocesso calado. Segundo Eduardo Fagnani, que define a conspiração política atual como "impeachment do processo civilizatório", o mais provável é "o acirramento da luta de classes que está nas ruas", sendo que Temer só poderá conseguir governabilidade se "depender de um Estado policial ainda mais severo que o utilizado em 1964". Justo quando a questão trabalhista era uma questão de polícia.

Monumento ao Trabalhador nos anos 60.
Foi também durante a ditadura anti-proletária inaugurada em 1964 que o Monumento ao Trabalhador, de autoria do artista plástico Clóvis Graciano, foi destruído. Construído e inaugurado em 1959 após demanda de sindicalistas ao governador José Feliciano e ao prefeito Jaime Câmara, o monumento tornou-se tão importante para a caracterização de Goiânia que levou à alteração do nome da praça que o acolheu de Praça Americano do Brasil para Praça do Trabalhador. Palco das comemorações de 1° de maio e de assembleias grevistas, logo se tornou um alvo visado pela direita. Numa madrugada de abril de 1969, membros do grupo terrorista Comando de Caça aos Comunistas (CCC) derramaram piche quente sobre os painéis do monumento. O então prefeito Iris Rezende, que seria ele próprio cassado pela ditadura, não toma providências para limpar e recuperar o monumento.

A perseguição aos trabalhadores brasileiros tem tudo para voltar. Dia 1° deve ser o último dia do trabalhador sob as luzes libertárias da democracia. É meu dever participar das comemorações cívicas em homenagem a essa figura tão perseguida e execrada que é o trabalhador brasileiro. Não sou trabalhador. Pelo contrário, sou um pequeno burguês. Entretanto, venho de uma família de quem trabalhou muito e se hoje posso me dar ao luxo de não exercer nenhuma profissão formal é porque meu pai e meu avô trabalharam muito. Nos últimos anos com o amparo do Estado, mas a maioria das vezes a despeito dele. Tendo consciência de onde vim, de qual classe social me pariu, não posso me omitir diante do estupro da democracia que certamente levará ao estupro de direitos sociais e trabalhistas. Os bons tempos voltaram e eles serão de chumbo, em especial para os trabalhadores.

Monumento aos trabalhadores que morreram
lutando pela jornada de oito horas. Até isso
Temer poderá revogar se quiser.
Não posso coadunar com quem deseja que os trabalhadores brasileiros sejam condenados a um salário de miséria e à carestia. Já escolhi meu lado nessa batalha e ele não visa o que é melhor apenas para mim. Desejo o mesmo luxo que eu desfruto — que não é enorme — para todos. Quero que o povo brasileiro seja feliz. E a felicidade, que pode até não estar no PT, com certeza não está no plano de governo de Michel Temer. Por isso, participo desse último suspiro de luta antes da materialização do "golpe frio". No assalto ao poder de Temer—Cunha até mesmo a jornada diária de oito horas de trabalho está comprometida. E foi justamente a demanda pela jornada de oito horas que levou ao massacre dos trabalhadores pela polícia de Chicago em 1° de maio de 1886, origem das comemorações do dia do trabalhador. Como disse Fagnani, o que está sendo cassado não é apenas o mandato de Dilma, é o próprio processo civilizatório. E não sou capaz de aplaudir isso.

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