terça-feira, 5 de setembro de 2017

O problema da educação não é não poder bater nas crianças

A diretora de um colégio decidiu filmar uma criança durante um ataque de cólera e expô-la no Facebook. Segundo ela, não há nada que ela possa fazer além de deixar a criança quebrar tudo por causa do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), que protege esses pequenos marginais. O vídeo está viralizando na rede social, mas não iriei compartilhá-lo porque porque se não vai ficar parecendo que apoio essa atitude e a mensagem do vídeo. Minha monografia foi justamente sobre a exposição indevida de menores em conflito com a lei pela imprensa.

O brasileiro médio adora citar o Primeiro Mundo quando lhe
convém, mas em toda Europa só é permitido o professor bater
nos alunos no Vaticano (em vermelho).
Diversas vezes, durante o vídeo, funcionários do colégio tentaram segurar a criança e evitar que ela virasse mesas e cadeiras. A diretora impede-os. Ela queria produzir uma evidência que reafirmasse sua ideologia pró-espancamento. Ela deixa a criança destruir o patrimônio do colégio — comprado com o dinheiro de todos nós — para provar seu argumento de que as crianças merecem apanhar dos professores, o que não ocorre em mais nenhum país da Europa. É um argumento do século XVIII, quando a pedagogia sequer era uma ciência ainda.

O entendimento corrente no campo da pedagogia é de que a criança é a parte mais frágil da sociedade e, assim sendo, tem o direito de receber educação sem ser submetida a tratamento degradante. Surpreende-me que uma pedagoga vá contra esse entendimento e defenda a punição corporal como forma de resolução do conflito entre aquele aluno e a escola. Que outras pessoas, alheias à situação, comentem a favor do espancamento só prova minha crença de que o brasileiro gosta de punir a revolta dos mais fracos ao invés da opressão dos poderosos.

A diretora deveria ser a parte racional da situação, tentando pôr fim ao que quer que seja que estivesse atormentando aquele ser, mas preferiu fazer ativismo político reacionário no Facebook. Além de desonesta — por manipular uma situação para defender seu ponto de vista — e anti-ética — por filmar uma criança sem a permissão de seus pais —, demonstra também que é anti-profissional, estando mais preocupada em publicar conteúdo na internet do que exercer sua função, a qual é paga pela coletividade. Se trabalhasse numa escola privada, com certeza seria demitida por justa causa.

Se dependesse de alguns, cenas como essa
sairiam dos livros de História e voltariam à
realidade. Diz muito sobre aquilo que somos
enquanto sociedade.
Por outro lado, duvido que ela deixaria a criança destruir tudo se trabalhasse numa escola particular. Mas no Brasil o que é público não é de todos (inclusive dela), é de ninguém. Ela fugiu de suas atribuições de zelar pelo patrimônio público e pelo bem-estar dos demais alunos. Só interessou-lhe, naquele momento, manipular uma situação para gerar "likes" contra o ECA. Afinal, é mais fácil culpar as crianças pelo atual estado do sistema educacional brasileiro ao invés de se olhar para o próprio descompromisso com as responsabilidades.

Aliás, ela culpa todo mundo pelo ocorrido — pais, assistentes sociais, polícia, políticos — menos a si mesma. É mais fácil culpar quem sequer estava na sala do que fazer o seu serviço, que nesse caso em específico se resumia a segurar a criança e tentar fazê-la se acalmar. É mais fácil também culpar a própria criança sem entender o motivo de sua raiva, o que poderia ajudá-la. Com certeza ela deve ter tido um motivo para o ataque de cólera, mas isso ficou sem explicação num vídeo que foi propositalmente tirado de contexto para defender um ponto de vista arcaico.

A educação no Brasil não está no estado atual porque porque o professor não pode mais bater nos alunos. É porque eles preferem postar vídeo no Facebook do que exercer as funções pelas quais são pagos pela coletividade para exercer. Não está escrito em lugar nenhum no ECA que não se pode conter uma criança durante um ataque de cólera. O que está escrito é que não se pode valer da violência para tal. Se a única forma que nós temos para resolver conflitos é abrir mão da violência, então é a nossa sociedade que tem um problema e não as crianças. As crises delas são apenas um reflexo disso.

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