O ano de 2015 vai entrar para a história do Brasil como o ano do maior FEBEAPÁ que já tivemos. Logo no início do ano, a extrema-direita, órfã de ídolos desde que a linha-dura do regime militar perdeu força, elegeu Jair Bolsonaro (PP-RJ) para representá-la. O deputado havia dito, no plenário da Câmara dos Deputados, que não estupraria Maria do Rosário (PT-RS) porque ela não merece. Em seguida, na ressaca do carnaval, ocorreu o primeiro ato pelo impeachment da presidenta Dilma Rousseff. Cada faixa era um atestado de ignorância e incivilidade. "Por que não mataram todos em 1964?", "Fora Paulo Freire", "Somos milhões de Cunhas", "País rico é país onde rico manda, porque os ricos não precisam roubar", "Sonegação não é corrupção", etc., etc., etc., para não falar das hilárias faixas em inglês produzidas com a ajuda do Google Tradutor. Bem lúdicos, os protestos inovaram ao introduzir às manifestações de rua bonecos infláveis gigantes e coreografias elaboradas. Na Ucrânia, no Egito, na Tunísia, países onde a democracia de fato estava ameaçada, não deu tempo de promover flash mobs nem desfiles da Macy's contra o governo. Os manifestantes desses países também não tiveram tempo de tirar selfies com a polícia, pois estavam muito ocupados correndo dela.
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O tradicional desfile de ação de graças da Macy's de 2015 contou com a presença de dois novos personagens. |
O fato é que as ideias do capitalismo liberal triunfaram no Brasil, país tão rico quanto o Reino Unido e tão desigual quanto a Bolívia. Desde o advento do oligopólio midiático foram anos e mais anos de lavagem cerebral nos brasileiros para desincentivar o pensamento crítico, a análise histórica e a leitura de conjuntura. Na mídia, os fatos brotam como se estivessem isolados de um contexto histórico, político e social maior. O sistema educacional, por sua vez, não forma cidadãos; no ensino público trata alunos como futuros serviçais e no ensino privado como depósitos do conhecimento inútil exigido no vestibular. Isso explica a "controvérsia" ao redor do tema da redação do ENEM do último ano. Nem mesmo a religiosidade popular sobreviveu às garras do liberalismo. Na última década vimos ganhar força no Brasil igrejas "cristãs" que enfatizam versos do Antigo Testamento que falariam sobre como a prosperidade material é a maior promessa de Deus a seus seguidores. Esqueça a Carta de Paulo aos Filipenses, onde este diz que aqueles que "só pensam nas coisas terrenas" vivem como "inimigos da cruz de Cristo". A reinvenção do cristianismo explica como um papa, líder de uma das instituições mais tradicionais do mundo, pode ser visto como "subversivo" por brasileiros.
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"Nossa Senhora, ilumine os reacionários". Porque, como todos sabemos, Jesus foi a favor do status quo. Só que não. |
Não é para menos. Os valores cultivados pela sociedade brasileira são essencialmente anti-cristãos. Apesar dos anseios dos fundamentalistas, Jesus Cristo não era um reacionário. Ele veio pregar contra a acumulação de riquezas terrenas, o que irritou o status quo de sua época. Não foi Marx quem disse que para segui-lo era preciso renunciar às riquezas materiais, foi Cristo. A mensagem trazida por Jesus trata-se de uma tentativa de restaurar a solidariedade humana (e, sim, Jesus era contra a sonegação de impostos!). Jamais entenderei como uma pessoa que se diz cristã pode sair na rua com faixas defendendo a tortura de outros seres humanos que ocorria no DOPS e que hoje ocorre nas UPP. A cruz simboliza a tortura pela qual Jesus passou para nos salvar, pelo amor de Deus! A não ser, é claro, que essa pessoa não seja cristã de verdade para começo de conversa. O Brasil cada vez mais se distancia do reino de Cristo e cada vez mais se aproxima do reino de Satã. Com a valorosa ajuda de "cristãos" que afirmam receber o Espírito Santo todo o domingo no culto para depois pedir a decapitação da presidenta e de seus eleitores em marchas "pela democracia". Bem que foi advertido que quando o Anticristo erguesse seu reino contaria com uma horda de seguidores com um discurso muito semelhante àquele dos seguidores de Cristo.
É dever do verdadeiro cristão rejeitar os valores da sociedade brasileira. Uma sociedade cujas bases são o egoísmo, a competição, o individualismo, o ódio aos pobres e excluídos não é uma nação de Nosso Senhor Jesus Cristo. Esses são os valores cultivados e reverenciados pelo brasileiro médio, convencido pela elite a adotá-los desde os governos militares, passando pelos governos neoliberais de Collor, Itamar e FHC e até mesmo na gestão petista (que preferiu criar consumidores ao invés de cidadãos). "Tá com dó? Leva para casa", arrota sempre que pode o brasileiro, que crê piamente que grupos com origens históricas distintas possuem oportunidades iguais. Trata-se de um retorno ao capitalismo arcaico, onde vigora a lei de sobrevivência do mais forte, ou seja, o darwinismo social. Ser brasileiro torna-se, cada vez mais, o oposto de ser cristão. Aproxima-se, por outro lado, de ser fascista. No fim de semana um canadense, tentando me agradar, disse que gostaria que houvessem mais brasileiros no Canadá. Respondi-lhe que não desejo isso para nenhuma nação. Ter mais darwinistas sociais no seu país com certeza levaria-o ao colapso, como estamos presenciando no nosso. Posso parecer derrotista, mas não vejo como conciliar os valores da sociedade brasileira com minha cristandade.
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