sexta-feira, 6 de novembro de 2015

Falácias não ganham debate

Quando Nelson Motta escreveu um texto ofensivo e misógino para atacar o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva e sua esposa dona Marisa Letícia, o editor do Diário do Centro do Mundo, Kiko Nogueira, escreveu um texto apelando à razão do ex-produtor musical, indagando-lhe se ele gostaria que suas ex-esposas e filhas fossem tratadas da mesma forma. No entanto, desde o ano passado, naquela que vem sendo a eleição mais longa da história, a razão deixou de nortear o debate político. Não basta derrotar o Partido dos Trabalhadores nas urnas. É preciso eliminá-lo, simbólica e às vezes até mesmo materialmente, como os ataques a militantes e sedes do partido têm demonstrado. Assim sendo, o dito colunista usou sua página no Facebook para escrever um texto tão cheio de falácias que deveria ser estudado nas aulas de Lógica como exemplo de que argumentos não empregar num debate. Diz o seguinte:
Nenhuma de minhas mulheres foi casada com um homem como Lula e tem filhos como os dele. Minhas filhas são muito mais inteligentes e educadas que os de Lula e Marisa – e nunca fizeram parte de nenhuma organização criminosa.

E quem imagina que dona Marisa tem um milésimo do talento de Marilia Pêra e fez mais pelo país do que ela? Só um fanático lulista, cada vez mais perto da cadeia. Que vergonha.

Que tal analisarmos o texto seguindo a ciência grega da lógica, ou seja, o estudo da validade dos argumentos, sem entrar na questão partidária? Vamos lá:
"Nenhuma de minhas mulheres foi casada com um homem como Lula e tem filhos como os dele. Minhas filhas são muito mais inteligentes e educadas que os de Lula e Marisa – e nunca fizeram parte de nenhuma organização criminosa."

Nesse pequeno trecho de texto, Nelson Motta incorre em falácias típicas do mau debatedor. Primeiro tenta desqualificar o adversário, imputando-lhe a pecha de "criminoso", embora Lula jamais tenha sido condenado na justiça. Trata-se do argumento ad hominem. Tenta-se provar seu ponto de vista através da desqualificação do outro sem embasamento para tal desqualificação. Em seguida, ele diz "minhas filhas são mais inteligentes e educadas que os de Lula e Marisa". Segundo quem? Ao contrário de fatores como escolarização e renda, inteligência é uma questão difícil de ser mensurada. "Tem muito diplomado que é pior do que selvagem", como bem lembra Clementina de Jesus. Esse parece ser o caso de Nelson Motta, que julga suas filhas como sendo melhores do que as dos outros pelo simples fato delas terem mais educação formal do que os filhos dos outros. Quanto a fazer parte de uma organização criminosa, pode-se dizer o mesmo do próprio Nelson Motta, afinal ele trabalha na Rede Globo, organização que deve nada menos que 615 milhões de reais à Receita Federal, incorrendo do crime de evasão de divisas fiscais. Seria Nelson Motta um criminoso por estar envolvido com uma organização criminosa? Segundo a lógica do próprio, sim. Isso é o que os gregos chamavam de explicação superficial.

"E quem imagina que dona Marisa tem um milésimo do talento de Marilia Pêra e fez mais pelo país do que ela? Só um fanático lulista, cada vez mais perto da cadeia. Que vergonha."

Essa é a parte mais risível do texto. Juro que gargalhei ao lê-la. Aqui, Nelson Motta vale-se da famosa falácia de autoridade. Em relação à Marília Pêra! Ora, poupe-me! Por mais que Marília Pêra seja uma grande atriz, celebrada no Brasil e no exterior, ela jamais foi mulher de político para poder ser comparada com dona Marisa Letícia. E, assim como a inteligência, o talento é uma coisa relativa. Marília Pêra possui um grande talento para as artes cênicas e dona Marisa Letícia possui um excelente talento para jardinagem e afazeres domésticos. Isso a torna uma pessoa menos especial com quem é injustamente comparada? Na cabeça do misógino Motta, que parece pensar em preto-e-branco, bem-e-mal, nós-e-eles, sim. Por fim, novamente o colunista se vale de um argumento ad hominem, desqualificando todos que pensam de maneira diferente dele de "fanáticos". Aqui, novamente há uma explicação superficial. Quem está cada vez mais perto da cadeia? Kiko Nogueira? Duvido que o pobre jornalista tenha 1/3 da renda do ex-presidente. Incorre-se, além disso, da falácia da associação. Funciona assim: 1) Alguns petistas são ladrões e estão perto de serem presos. 2) Kiko Nogueira é petista (pelo menos na cabeça de Motta). 3) Logo, Kiko Nogueira é ladrão e está perto de ser preso. Cai muito isso em concurso. Duvido que Nelson Motta conseguiria acertar uma questão dessas.

Por fim, há o que é bastante comum nos discursos políticos de hoje em dia: o apelo à moralidade: "Que vergonha". Não é vergonhoso que Kiko Nogueira expresse sua opinião. Vergonhoso é o estado atual da imprensa brasileira, onde basta atacar um certo Luiz Inácio da Silva e um certo Partido dos Trabalhadores para se ganhar espaço nos jornais. Vergonhoso é atacar pessoas na rua por elas estarem usando vermelho. Vergonhoso é o ódio de classes sendo usado como argumento contra Lula e a misoginia sendo usado como argumento contra Dilma. Vergonhoso é que as pessoas não possam mais expressar livremente suas opiniões por medo de serem vítimas da falácia da associação. E mais: vergonhoso é que a direita tenha renunciado à lógica e que pessoas que acham que falácias ganham debates sejam consideradas formadoras de opinião. Como bem afirmou Ciro Gomes em sua entrevista à TV Brasil, a direita perdeu o pudor. Mas não foi só isso. Perdeu a lógica também. A causa disso deve ser a irritação por estar todos esses anos fora dos círculos do poder.

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