quarta-feira, 4 de novembro de 2015

Um candidato para 2018

O ex-ministro da Fazenda, ex-governador do Ceará e ex-ministro da Integração Nacional Ciro Gomes foi o entrevistado de ontem do programa Espaço Público da TV Brasil. Confesso que eu tinha algumas ressalvas ao político cearense, nascido em Pindamonhangaba, interior de São Paulo. Minha primeira ressalva diz respeito ao episódio em que ele, enquanto candidato à presidência da República em 2002, disse a repórteres que o papel de sua então esposa, a atriz Patrícia Pillar, na campanha dele era dormir com ele. No final da entrevista, Ciro fez um mea culpa pelo incidente. Outra ressalva que eu tinha em relação a ele era quanto a sua origem política. Ciro Gomes surgiu politicamente como correligionário do tucano Tasso Jeirissati, um dos representantes do coronelismo local no Ceará. No entanto, Ciro rompeu com Tasso em 2010 e denunciou tanto a plutocracia brasileira durante a entrevista que fica difícil acreditar que tenha sido um discurso só da boca para fora.

Ciro Gomes.
No início do programa, as perguntas foram sobre a opinião do entrevistado quanto ao impeachment da presidenta Dilma Rousseff. Ciro lembrou que só dois presidentes foram afastados na história do Direito contemporâneo: Fernando Collor no Brasil (feito em clima de consenso, pois este desagradou tanto os pobres quanto à elite) e Carlos Andrés Pérez na Venezuela e que até hoje a Venezuela segue ingovernável devido à crença de que é aceitável derrubar um governo do qual se discorda. Ele lembrou também que quando era ministro de Integração Nacional no governo do então presidente Luiz Inácio Lula da Silva, a ordem para conter a crise do mensalão era "infantaria e diplomacia", ou seja, dialogar com o povo, partindo para o ataque com os que queriam derrubar o governo, e fazer o trabalho de bastidores que, segundo o ex-ministro, se perdeu. Quando foi revelado que o então presidente da Câmara, Severino Cavalcanti não passava de um corrupto, logo a tese de impeachment caiu em descrédito. Para Ciro é chocante que pessoas como Fernando Henrique Cardoso, que tem uma biografia a preservar, e Aécio Neves, que tem um sobrenome a zelar, apoiem a retirada de Dilma ("pessoa seriíssima") sem que ela tenha cometido crime algum. "Tancredo construiu o caminho para a democracia e Aécio joga tudo na lata de lixo", disse.

Em seguida, Ciro narrou o episódio de criação do Plano Real. Ele disse que estava esperando ansiosamente aos debates da eleição presidencial de 1998 para tirar a máscara que FHC construiu para si mesmo de "pai do Real". No entanto, FHC manipulou a mídia para que nenhuma emissora de televisão realizasse debates. Ciro contou que ele, então filiado ao PSDB, e Tasso Jeirissati montaram uma grande equipe econômica - "que na época gostava do Brasil, mas hoje gosta de dinheiro" - para resolver o problema da hiperinflação. Segundo ele, FHC foi nomeado ministro da Fazenda após uma desavença de Itamar com Tasso, então pré-candidato do PSDB à presidência. FHC não se elegia mais para o Senado em São Paulo e estava encerrando sua carreira política, tendo sido escolhido para o cargo como forma de implementar o projeto econômico idealizado pelo PSDB sem prejudicar a imagem de Itamar. Quando apresentaram o Plano Real a Itamar, José Serra tentou sabotar o projeto, levando, por isso, um pito de Mário Covas. Cientes de que o plano seria um sucesso e de que o PSDB, como idealizador do mesmo, teria boas chances de eleger o próximo presidente da República, se reuniram para determinar quem seria o candidato. FHC atropelou todo mundo para declarar sua intenção, deixando Tasso, que de fato idealizou o Plano, de lado, para a fúria de Ciro.

O ex-ministro contou que ficou tão decepcionado com a atitude arrogante de FHC que decidiu sair do país durante o primeiro ano de governo dele. Ciro havia defendido homericamente o Plano Real porque acreditava que seu colega seria o candidato do PSDB. Foi estudar economia em Harvard, onde permaneceu por um ano e meio. Se é verdade que a idade costuma fazer aflorar características da personalidade do indivíduo, não sei, mas no caso de FHC parece ser verdadeira a afirmação. Seu estrelismo parece não conhecer limites ultimamente. Como um dos líderes do maior partido de oposição do país, nem se ruboriza mais ao defender a quebra da institucionalidade, a mesma que lhe fez refugiar no exterior na década de 1960. "Covas, vivo, jamais admitiria isso", afirma Ciro. O ex-ministro acha que FHC e Lula deveriam agir como "pais da pátria", emitindo suas opiniões apenas quando for absolutamente necessário. Para ele, a crise política atual só existe devido ao medo que os tucanos têm de que Lula seja candidato em 2018. Caso o ex-presidente se candidate e consiga desvincular sua imagem das políticas desastrosas de Dilma, o PSDB ficará 20 anos fora do poder. No entanto, se a crise se aprofundar teremos uma eleição semelhante ao pleito de 1989.

FHC e Lula aprofundam a crise, diz Ciro.
Em 1989 o "moralismo difuso" de Collor venceu a eleição contra o "comunismo" petista. Atualmente, segundo Ciro, quem mais representa isso é Marina Silva, que em momento algum fala em  mexer nas estruturas que geram desigualdades sociais. Justo pelo contrário, em 2014, a candidata falou em dar autonomia ao Banco Central, o que significa, na prática, colocar os bancos para controlar a política monetária do país. Seria dar aos bancos o poder de determinar a já altíssima taxa de juros do Brasil. Ele aponta que a política econômica brasileira, baseada no chamado tripé macroeconômico, é um erro crasso. A única coisa que justifica a prevalência dos interesses financeiros sobre a vida dos cidadãos é o lucro dos bancos que, aliás, batem recorde há duas décadas, independente se a economia vai bem ou não e se o governo é petista ou tucano. Elevar os juros não contém a inflação, pois o Brasil importa produtos de primeira necessidade, do trigo à química dos remédios. Se o preço do dólar aumentar, a inflação vai aumentar. A elevação dos juros só serve para garantir o lucro dos bancos, naquilo que este blogueiro chamou anteriormente de "o maior escândalo de corrupção do Brasil".

O grande pecado de Lula, segundo o entrevistado, foi não mexer nas estruturas do Brasil. Apesar de progressista na política social, garantindo aos maios pobres o acesso à alimentação, manteve uma política econômica conservadora. Graças aos avanços de Lula, o Nordeste passa por uma seca prolongada - há três anos já - e não sofre mais com saques a supermercados, lembra o entrevistado. Entretanto, ao invés de reformar a economia, taxando os mais ricos, Lula garantiu o absurdo lucro dos bancos. Ao invés de reformar a política, Lula cometeu o erro histórico de empoderar o PMDB, que é hoje um dos maiores combustíveis da atual crise. Ciro lembrou que, num evento em São Paulo, o vice-presidente Michel Temer, que Lula impôs à presidenta Dilma, disse que um governo com 8% de aprovação não se mantém no poder. O ex-ministro disse ter vontade de perguntar a Temer, advogado constitucionalista, em qual alínea da Constituição Federal está escrito isso. José Alencar, lembra o ex-ministro, defendia o mandato que conquistou com Lula até as últimas consequências. Ciro acredita que o povo, mesmo insatisfeito com a política econômica de Dilma, defenderia a democracia. Se, por um lado, o PT perdeu o apoio dos movimentos sociais, por outro, nenhuma entidade nacional apoia o impeachment de Dilma Rousseff, o que não era o caso durante o processo de impedimento de Collor.

Para Ciro Gomes, a direita perdeu o pudor. Segurando a bandeira da moralidade, tudo se torna justificável, inclusive agredir pessoas em público. "É a turma que agride uma pessoa limpa como Suplicy que quer derrubar a Dilma?", indagou. No entanto, ele acha que Lula tem sua parcela de culpa: "estão passando do limite porque ele perdeu a majestade". Ele acha que o ex-presidente deveria ter se recolhido após sair do poder e julga negativo para o país a eleição de Lula para um terceiro mandato, pois seria a continuidade da crise atual, sem falar que estaríamos replicando o personalismo político presente em outros países da América Latina. Segundo o ex-ministro, a oposição está fechada em bloco contra o governo, pois dos 411 milhões de reais que Eduardo Cunha desviou para a Suíça, "uns 350 milhões ele rachou com essa turma [que o elegeu]". Enquanto isso, o governo está de braços cruzados, sem fazer aquilo que o povo espera dele. Ciro acredita que se Dilma não mudar sua política econômica, terá chances reais de não completar o mandato. No entanto, ela precisa mexer em toda a estrutura do país, o que incomoda a plutocracia que vive dos juros. Precisa dar um jeito à defasagem de 106 bilhões entre as importações e exportações de produtos industrializados, ou seja. à balança comercial negativa que a venda de commodities (com preço em queda) não consegue mais compensar.

"É a turma que agride uma pessoa limpa como Suplicy que
quer derrubar a Dilma?", indagou Ciro.
Mexer com a plutocracia pode ser fatal. Quando Collor confiscou a poupança ele paralisou 1/3 da dívida pública nacional, lembrou Ciro. Ou seja, ao mesmo tempo em que tirou dinheiro de pessoas comuns, impediu que parcela significativa do orçamento fosse para o pagamento da dívida da União com os bancos. Nesse momento, as hoje tão noticiadas agências de risco colocaram o Brasil como país completamente inseguro para investimentos estrangeiros. Os ricos então apresentaram à opinião pública um delito cometido por Collor e derrubaram-no. Dilma, por outro lado, pensa que conciliar com os banqueiros (ou "plutocratas", como prefere Ciro) garantirá a sobrevivência de seu governo. No entanto, só a desgasta cada vez mais com o povo. Enquanto a economia vai bem, o povo tolera os desvios. No entanto agora que a economia azedou, Dilma, que desde o início tenta moralizar a máquina pública, acabou tendo sua imagem manchada pela corrupção - dos outros, com os quais ela precisa se aliar para governar. Enquanto isso, em São Paulo, a população tolera os desvios do governo Alckmin. Como aponta Ciro, num estado com rios em abundância parte da população da maior cidade da América do Sul passa sede. A Sabesp, depois de privatizada, deixou de investir na ampliação da rede de captação d'água; seu foco passou a ser em dividir o lucro entre seus acionistas.

Indagado se seria candidato em 2018, Ciro se esquivou da pergunta. Se disse cansado da política brasileira, que atinge níveis graves de baixeza, e afirma não saber se tem estômago para concorrer à presidência mais uma vez. No entanto, seu discurso é de candidato - e de um que o Brasil precisa. Um candidato que fala em reformas estruturais, fim de privilégios à plutocracia, desenvolver a indústria nacional e, sobretudo, garantir as conquistas sociais dos últimos doze anos. Discurso claro para resolver problemas concretos. A esquerda está, atualmente, de braços cruzados. Deixa o governo à própria sorte pois este vai contra tudo o que sempre defendeu na economia. A sociedade , por sua vez, se divide em dois grupos que, apesar de defenderem e implementarem a mesma política econômica, se apresentam para a população como antagônicos. Nesse cenário, Ciro Gomes pode muito bem ser a solução que buscávamos para resolvermos nossos graves problemas. Só quem os conhece profundamente pode fazê-lo.

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