domingo, 13 de março de 2016

Hoje eu não vou

Estou muito decepcionado com o governo que eu elegi. No entanto, eu jamais participaria de uma marcha verde-e-amarela. Devo respeitar quem eu sou. Vejam só:

  • No século XVIII, meus ascendentes por parte de pai foram obrigados a assimilar uma cultura que não era a deles. Sob ameaça da Igreja Católica na Polônia, foram obrigados a se converter do judaísmo ao cristianismo.
  • Há cinco gerações, a avó de meu avô materno foi tirada à força do convívio de sua família indígena e obrigada a assimilar a cultura branca.
  • Minha vida inteira testemunhei minha mãe tentando se impor numa sociedade machista que tenta calar e desvalorizar as mulheres. Ela me ensinou a não andar perto de quem ofende as mulheres pelo simples fato de serem mulheres, como quem xinga a presidenta de "puta", "vadia" ou "vagabunda".
  • Além disso, eu sou gay. Sou obrigado a lidar diariamente, de maneira aberta ou velada, com a tentativa de que eu me adeque à ordem heteronormativa da sociedade patriarcal. Essa tentativa já veio tanto na forma de chutes e pontapés quanto na forma de comentários sutis.

A minha história é uma de assimilação, tentada ou bem sucedida. Assim sendo, não gosto de quem tenta me fazer aceitar os valores da maioria à força. Só tenho uma vida para viver e vou vivê-la do jeito que eu julgo ser o melhor para mim. Tento ser autêntico e não agir como gado em manada. Devo isso a meus ascendentes, que não conseguiram viver pelas suas próprias regras. Agora que estou numa situação mais confortável do que a deles, decidi que ninguém vai me obrigar a seguir as regras do status quo por nada nesse mundo.

A cantora Pitty resumiu bem porque eu não fui e continuarei não indo.

Pois é justamente essa a maneira como eu encaro as marchas verde-e-amarela. Um desfile de ideologias opressoras. Os camisas amarelas carregam dentro de si a bandeira do ódio, do antissemitismo, do genocídio indígena, do machismo e da homofobia. Afirmam que querem o Brasil de antigamente de volta. Só que o Brasil de antigamente não só era um país onde as instituições não tinham independência para investigar esquemas de corrupção envolvendo o governo como também era um local onde matavam judeus, negros, indígenas, mulheres e gays abertamente.

Devo respeitar não só a História do Brasil como também a minha história, de onde eu vim e para onde eu quero ir. Não marcho ao lado de fascistas, neonazistas, homofóbicos, machistas e racistas. Seria suicídio. Também não quero que eles governem o país. Porque, no final das contas. é disso que se trata o ato de hoje: uma disputa de poder liderada pelo grupo mais conservador e reacionário da sociedade brasileira. Hoje eu não vou em respeito a mim: uma figura ignorada, desprezada, humilhada e odiada pelos brancos, ricos e cristãos "revoltados", tanto no passado quanto no presente.

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