quarta-feira, 23 de março de 2016

O golpe frio

No sábado passado a revista alemã Der Spiegel se referiu à tentativa de destituir a presidenta Dilma Rousseff como um Kalter putsch ou golpe frio. Ao contrário do golpe civil-militar de 1964, que ocorreu tão às pressas que pegou todos de surpresa, o golpe de estado atual vem sendo extremamente calculado. Desde 2003 a grande imprensa atua como um partido de oposição (algo que já foi confirmado até pela própria presidenta da Associação Brasileira de Jornais), tentando destruir a imagem de Lula e do PT, criminalizando-os com provas falsas e fontes duvidosas que jamais apareceriam na maior revista alemã, mas que aparecem na maior revista brasileira.

Ciente da perseguição da grande mídia ao PT, o juiz federal Sérgio Moro entrou em cena para o último ato: seria ele o personagem responsável por aplicar o último golpe ao partido. Sob o pretexto de investigar um mega esquema de corrupção na Petrobrás, que data do governo FHC, armou um circo midiático responsável por jogar amplos setores da população contra o PT. Nos protestos insuflados pela mídia, adivinhe só, Moro é aclamado como o herói salvador do Brasil, embora receba um salário muito maior que o da presidenta supostamente corrupta que ele combate (o que é ilegal). Segundo a Al Jazeera, "a estratégia de Moro começou há uma década, antes mesmo do início da Operação Lava Jato".

Em 2004 o juiz paranaense escreveu um artigo em tom elogioso sobre a Operação Mani Pulite (Mãos Limpas), que destruiu os principais partidos políticos italianos sob o pretexto de combater a relação deles com a máfia. O que se seguiu foi uma descrença generalizada da população com os políticos tradicionais e a eleição de um magnata da mídia —Silvio Berlusconi— que, aí sim, institucionalizou a corrupção no governo. Segundo a BBC, após a Mãos Limpas a corrupção na Itália ficou ainda mais sofisticada e difícil de ser combatida. Só um imbecil para achar que no Brasil seria diferente. Sem uma reforma do financiamento de campanha, nada mudará em nosso país como não mudou na Itália. Pode destruir todos os partidos que a corrupção não acabará.

A impressão que eu tenho, no entanto, é que Sérgio Moro não deseja combater a corrupção. Se eu ainda acreditava nisso, as dúvidas se dissiparam na semana passada quando, tomado pela raiva de não poder mais investigar Lula, ele agiu acima da lei e divulgou ilegalmente um áudio que atrapalharia a posse do ex-mandatário como ministro-chefe da Casa Civil. Por ter captado a presidenta da República, o grampo não poderia ter sido divulgado sem a permissão do STF. Estranhamente, no dia seguinte, antes mesmo da posse de Lula, um juiz do Distrito Federal já havia redigido uma liminar suspendendo-a tendo como base o grampo ilegal. Nas redes sociais da criatura, ataques os mais abjetos possíveis contra o PT.

Fui, então, pesquisar mais sobre a história do novo "herói" nacional e eis que descubro que ele foi assessor da ministra Rosa Weber durante o julgamento do mensalão no STF em 2012. Rosa é a prima de Letícia Weber, mulher de Aécio Neves, e notabilizou-se por declarar, durante o julgamento, que não haviam provas contra José Dirceu, mas que condenaria-o mesmo assim porque a "literatura jurídica" permitia. Percebe-se, assim, o nível raso da assessoria jurídica prestada por Moro à ministra. Eu achava, na minha inocência, que todo mundo era inocente até provado o contrário, ou seja, que ninguém pode ser condenado sem provas. A dúvida sobre as provas livrou O.J. Simpson no "julgamento do século".

O fato é que a farsa jurídica de Moro contra o PT vem sendo preparada desde então. Ele vem ajudando a distorcer a lei para criminalizar o partido. No entanto, ele não daria conta de fazê-lo sozinho. Em seu artigo, citado pela Al Jazeera, Moro escreveu sobre o papel fundamental da mídia na consolidação da Mãos Limpas. Assim sendo, usa e é usado pela mídia para atingir o grande sonho de sua vida: entrar para a história como o cara que destruiu o PT. Fazer aquilo que o general Golbery não deu conta de fazer. O problema dele, no entanto, é que nem todo mundo está disposto a acreditar cegamente na sua benevolente luta contra a corrupção. A internet expõe sua seletividade e até mesmo quando quis se valer do "jeitinho" para continuar lecionando na UFPR enquanto assessorava Weber.

O golpe é frio, sim. Calculado e planejado meticulosamente há pelo menos dois anos, quando a seletivíssima Operação Lava Jato —que prende o petista Delcídio do Amaral e não o peemedebista Eduardo Cunha, peça-chave do golpe— começou. Mas engana-se quem pensa que a reação ao golpe será fria também. Moro criou um clima de instabilidade política e jurídica que se assemelha ao prenúncio de uma guerra civil. Seus partidários acham que ele, um juiz de primeira instância, é mais importante do que a Suprema Corte. É possível que quando Moro for reivindicar o papel de herói salvador da pátria que calculadamente construiu para si com a ajuda da mídia, sequer haverá mais pátria para aclamá-lo.

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