quarta-feira, 30 de março de 2016

O verão do descontentamento no Brasil


Vijay Prashad.
As praças modernistas do Brasil estiveram cheias de manifestantes durante a última semana. Eles pediam a renúncia da Presidenta — Dilma Rousseff do Partido dos Trabalhadores (PT). Multidões na Avenida Paulista em São Paulo seguraram uma faixa enorme onde se lia "Impeachment já!". Esse é o slogan dos protestos — se a Presidenta Rousseff não renunciar, então deverá ser cassada.

Por que essas milhares de pessoas querem que a Sra. Rousseff abandone o cargo? Uma erupção de escândalos de corrupção que envolve toda a elite política aparece num momento de estagnação da economia brasileira. O Brasil atualmente passa por sua pior recessão em meio século, com o crescimento econômico encolhendo. Preços baixos de commodities e um relaxamento na demanda da China são os principais responsáveis por essa queda. Não há remédio no horizonte, uma vez que a China não deve aumentar suas compras. Tampouco, assim, crescerão os preços das commodities. Dependente de ambos, uma saída para a crise brasileira nessa direção encontra-se fechada. O PT, no poder desde 2002, foi incapaz de diversificar a economia e, assim, estava vulnerável ao preço das commodities. O economista Alfredo Saad-Filho chama isso de uma "confluência de descontentamentos", baseada naqueles com preocupações imediatas — o aumento na tarifa de ônibus — e naqueles com ansiedades muito maiores — a perda de poder das classes dominantes.

Encolerizando a elite

O que chama a atenção nos protestos contra o governo Rousseff é que eles não estão vindo das favelas brasileiras e nem dos trabalhadores industriais. Em março do ano passado, a classe média-alta diplomada do Brasil saiu às ruas para uma série de marchas contra o governo. Luiz Carlos Bresser-Pereira, ex-Ministro das Finanças nos anos 1980, caracterizou os protestos como "ódio coletivo por parte da elite, dos ricos, contra um partido e uma presidenta". O que motivava os manifestantes, diz ele, não eram reivindicações e sim o "ódio". O que a elite brasileira odeia no governo do PT?

O PT defendeu uma ampla agenda que deu ao capitalismo uma face humana. A pobreza miserável em regiões do Brasil foi aliviada por um programa de ajuda social conhecido como Bolsa Família. O Banco Mundial afirmou que este programa "mudou as vidas de milhões no Brasil". Em troca de pagamentos em dinheiro, as famílias empobrecidas do Brasil prometem manter seus filhos na escolas e levá-los para check-ups médicos regulares. O governo afirmava que o Bolsa Família elevaria as condições de vida imediatas dos pobres — através dos pagamentos em dinheiro — e que quebraria o ciclo da pobreza intergeracional — através da educação e dos cuidados médicos.

Cerca de 50 milhões de brasileiros — um quarto da população — se beneficiou do Bolsa Família. No ano passado, o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística anunciou que a pobreza extrema havia sido erradicada do país. Mas, durante o anúncio, o Instituto alertou que os cortes orçamentários ao programa reverteriam esta tendência. Um terço dos fundos reservados ao Bolsa Família foram removidos do orçamento de 2016 [Nota do blog: pelo Congresso]. Isto é um indicador das tribulações financeiras do governo.

O que a elite odiou foi o aumento dos salários mínimos, a expansão de direitos trabalhistas e os privilégios agora oferecidos à classe trabalhadora para a entrada nas universidades públicas. Os benefícios à classe trabalhadora revelaram a questão social da desigualdade racial. O Brasil, um ex-Estado escravocrata, nunca lidou bem com os legados da escravidão e do racismo. Sob o PT, questões de discriminação racial e os custos do racismo para os trabalhadores se tornaram parte da discussão nacional. Isto foi um anátema para a elite.

Hábito de golpes

Durante o século passado, em intervalos regulares, movimentos políticos populares emergiram no Brasil para desafiar o arreio de ferro da elite. Toda vez que o povo se reunia por trás destes líderes, a elite — coma  assistência do Exército e dos Estados Unidos — minava a revolta das favelas e do campo. Os presidentes Getúlio Vargas e João Goulart se tornaram porta-vozes dessa frustração popular e foram ambos removidos — Vargas foi levado ao suicídio em 1954 e Goulart foi removido por um golpe militar em 1964. Em ambos os casos, a combinação das classes dominantes estabelecidas, dos militares e dos EUA geraram crises que esmagaram o país e despacharam os líderes populares. O medo de que isso faça parte da equação no Brasil atual não é infundado. Está gravado na história brasileira.

Os golpes não precisam vir mais dos quartéis. A mídia é o suficiente. No Brasil, a Rede Globo — com 50 anos de existência — agora controla mais que a metade da mídia — canais de televisão e jornais influentes — incluindo O Globo. "Não há outros meios de comunicação com influência similar no país", me conta a Professora Beatriz Bissio da Universidade Federal do Rio de Janeiro. O dono da rede, Dr. Roberto Marinho, tinha uma aliança próxima com o regime militar. Seus canais tem atacado o governo Rousseff, incitando os protestos não a favor da anti-corrupção, mas contra o PT.

A questão da corrupção

No Brasil, uma frase popular é "o sistema não é corrupto; a corrupção é o sistema". A corrupção sistêmica tem sido servida a grandes levas de políticos brasileiros, não apenas aos líderes proeminentes do PT, mas também à oposição, incluindo Aécio Neves, que concorreu à presidência contra a Sra. Rousseff em 2014. Grandes lucros nas maiores empresas governamentais, Eletrobras e Petrobras, ofereceram aos políticos a oportunidade para pedir propinas. Os políticos do PT não resistiram à tentação. Mas eles não estavam sozinhos.

A mídia pediu a cabeça do PT como se ele tivesse sido o único que foi cúmplice dos escândalos de corrupção. Ela ignorou os escândalos de corrupção da oposição de direita. O Datafolha tem feito pesquisas regulares sobre os descontentamentos dos brasileiros. Mais de um terço da população diz que a corrupção é sua maior queixa, embora o resto dos pesquisados reclamam da falta de acesso a cuidados médicos e à educação, assim como a empregos. À mídia não interessa essas reclamações. Elas vão de encontro ao programa do PT. É mais fácil apontar o dedo para a "corrupção", uma ideia com apelo emocional para pessoas cuja sobrevivência enfraquece conforme observam a elite se tornando imune à crise.

O fator Lula

A Sra. Rousseff, ao contrário do Sr. Lula, não cultivou uma ligação direta com o povo. Obrigada a promover cortes no orçamento, ela não se estendeu ao público para explicar os problemas. Atacada pela mídia, a Sra. Rousseff se isolou de seus apoiadores. A confusão levou ao desencantamento. O Sr. Lula, da fábrica, e a Sra. Rousseff, da cadeia, criaram um partido — o PT — que cresceu a partir dos poderosos movimentos sociais brasileiros, tais como o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra ou MST. A Sra. Rousseff buscou o Sr. Lula para reanimar seus laços com os movimentos sociais. Ele é dos sindicatos, um homem de temperamento salgado com popularidade entre a classe operária e os camponeses.

Mas o Sr. Lula está sob investigação na Operação Lava Jato sobre lavagem de dinheiro na Petrobras. Seu papel é de pequena escala se comparado a demais abusos. A detenção do Sr. Lula e a revelação de uma gravação telefônica grampeada entre ele e a Sra. Rousseff sugerem uma conspiração maior em trabalho aqui. Faz parte do hábito da elite brasileira fomentar a discórdia para prevenir qualquer ameaça a sua estabilidade. O retorno do Sr. Lula numa época de crise econômica pode indicar uma guinada do PT à esquerda. Não havia outra escolha se não mover-se nessa direção. Seria suicida para o PT tornar-se o partido da austeridade. A convocação do Sr. Lula era para ajudar a Sra. Rousseff a mudar de curso. É isso que a elite julgou abominável. A oferta da Sra. Rousseff para o Sr. Lula assumir um cargo em seu gabinete teria imunizado-o da acusação. Agora um juiz suspendeu a nomeação.

Na sexta-feira, um milhão de pessoas se juntaram à Frente Brasil Popular para repetir o grito de Lula — não vai ter golpe. O povo, como o MST definiu, foi às ruas para defender a democracia. Este foi um protesto contra o golpe de Estado. Se a emergência destes protestos populares irá mudar a dinâmica feia do Brasil ainda não é possível dizer. Muito está em jogo neste importante país sul-americano.

Vijay Prashad leciona Estudos Internacionais na Trinity College (EUA) e é o autor de "The Poorer Nations: A Possible History of the Global South".

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