terça-feira, 15 de dezembro de 2015

2015: Ano de denunciar a corrupção... dos outros

A moda do ano de 2015 na política foi vestir a camisa da seleção brasileira e ir para as ruas protestar contra a corrupção. A parcela da população que nunca esteve aí para a política nacional decidiu que acordou, que cansou e que daria um basta à roubalheira do governo. Roubalheira esta que acontece desde que o Brasil foi usurpado dos indígenas pelos portugueses no século VXI e tornou-se, oficialmente, Brasil. A roubalheira não gerava protestos quando o presidente comprou deputados por R$ 200 mil cada. A súbita indignação dos manifestantes com a corrupção tem essa mania de não atingir os escândalos envolvendo outros partidos que não sejam o PT. O mensalão foi uma brincadeira de criança perto do rombo do metrô de São Paulo, um dos mais cheios e ineficazes do mundo. Nenhum manifestante, no entanto, se diz preocupado com a morosidade das investigações no Ministério Público de São Paulo, sempre tão prestativo aos políticos do PSDB e seus aliados.

O presidente Clinton chegou a sofrer impeachment na Câmara
por mentir ao Congresso. O Senado, no entanto, absolveu-o.
Já contra a corrupção do PT, vale até mesmo aliar-se a corruptos. Para derrubar a presidente Dilma Rousseff por um suposto crime de responsabilidade fiscal cometido por todos os gestores públicos, de Marconi Perillo a Geraldo Alckmin, vale a ajuda de Eduardo Cunha, que disse numa CPI do Congresso que não possuía conta bancária no exterior. Alguns meses depois, o Ministério Público Federal recebeu, de presente dos promotores suíços, extratos bancários da conta do presidente do Congresso no país alpino. Mentir em CPI é crime. O ex-presidente norte-americano Bill Clinton foi processado e sofreu uma tentativa de impeachment por tal motivo. Disse, numa investigação do Congresso, que jamais tinha mantido relações sexuais com sua ex-estagiária Monica Lewinsky, que mais tarde revelou à imprensa o sêmen de Bill num de seus vestidos. Trair a primeira-dama é imoral, mas não é crime. Mentir para o Congresso é.

A atual mandatária brasileira pode até ter cometido algo imoral com as chamadas "pedaladas fiscais", mas não cometeu um crime, ao contrário de Eduardo Cunha. A lei responsabiliza o secretário do Tesouro Nacional por repasses irregulares de recursos a órgãos estatais. Mas os manifestantes gostam de pensar que Dilma é uma espécie de Deus, onipotente e onipresente no cenário político nacional. Se o colégio estadual vai mal, a culpa é da Dilma. Se o posto de saúde municipal está caindo aos pedaços, a culpa é da Dilma. Como é que a Dilma não sabia da roubalheira da Petrobras? A Operação Lava Jato já dura mais do que as novelas da Rede Record e, mesmo assim, nenhum dos corruptos e corruptores presos jamais denunciou a presidente numa de suas delações premiadas. Caem deputados, senadores, diretores da estatal e jamais levantou-se suspeição sobre Dilma. A única suspeição foi aquela da Veja na véspera da votação, valendo-se de declaração falsa atribuída a Alberto Youssef.

Eu mesmo tenho uma série de restrições à política econômica do Governo Dilma II. Dilma, que era apontada como estatista demais na campanha de 2010, rompeu consigo mesma e agora faz um governo acanhado, controlado pelos bancos e sem ouvir as demandas de seus 54,5 milhões de eleitores. Na campanha, ela acusou Marina Silva de querer tirar o prato de comida da mesa dos brasileiros com sua proposta de entregar a formulação da política econômica aos bancos. Ao assumir, a presidente nomeou o homem de confiança do Bradesco para formular a política econômica do país. Vieram os cortes no Orçamento e a sólida base de apoio que Dilma havia conquistado para si no final de outubro de 2014 esfacelou-se. Talvez ela pensou que poderia conter os ânimos dos eleitores oposicionistas se começasse a aplicar a política econômica proposta pelo PSDB. Não só não conseguiu o apoio deles, como perdeu o que já tinha.

Isso, no entanto, não é motivo para derrubar um governo sob o regime em que vivemos; o presidencialismo. No parlamentarismo, cabe ao Legislativo decidir se um governo continua ou não. Se a maioria dos deputados avaliar que a política econômica é ruim para o país, pode derrubar o governo. Foi assim que Margaret Thatcher foi eleita primeira-ministra do Reino Unido. Os trabalhistas costuraram uma coalizão com os nacionalistas escoceses mas, quando eles voltaram-se contra o governo, este perdeu o apoio necessário para aprovar seus projetos e foi derrubado pelo parlamento. Novas eleições foram convocadas e a oposição ganhou. Isso ocorre porque no parlamentarismo o chefe de governo é oriundo do legislativo. Não aparecia o nome "Margaret Thatcher" nas cédulas dos eleitores britânicos. Ela venceu as eleições internas de seu partido e, assim, garantiu o direito de governar caso seu partido recebesse a maioria dos votos.

No Brasil, não é assim que funciona. O chefe de governo é eleito diretamente pelo povo para governar por um período determinado; no parlamentarismo pode haver eleições antes da data estabelecida se o governo não conseguir o apoio do parlamento para aprovar seus projetos. No presidencialismo, embora importante, tal apoio não é necessário. Ronald Reagan governou oito anos com um Congresso hostil a sua administração. O Brasil já teve três presidentes em um ano. Foi para evitar situações assim e para garantir que a decisão soberana do povo em eleições livres e democráticas fosse respeitada que o legislador constituinte impôs regras tão rígidas para a derrubada de governos. O povo elege o presidente e o povo pode derrubá-lo. No entanto, mediante apresentação ao Congresso Nacional de denúncia comprovada de que o mandatário cometeu um crime. Quem diz isso não sou eu, é a Constituição.

Caiado adora denunciar o mensalão... dos outros, é claro!
A Carta Magna não prevê impeachment por motivo de política econômica ruim e tampouco por baixa popularidade. Se assim fosse, FHC deveria ter sido derrubado quando seu índice de popularidade também atingiu a casa de um dígito devido a sua incapacidade de lidar com a crise econômica do início da década passada. Mas nada disso importa para as pessoas preocupadas em combater a corrupção do PT. Parar carro de som no meio da ciclofaixa, como os manifestantes fizeram no domingo, não é corrupção? O dia em que marcharem contra toda a corrupção de todos os partidos e não aceitarem em suas manifestações atos que violem o Código Brasileiro de Trânsito nem a presença de gente como Ronaldo Caiado, que recebia um mensalinho do Bumlai, podem me chamar que eu vou. Mas enquanto estiverem achando que o inferno são os outros, me esqueçam. Não sou adepto de macartismos. E, dado o baixo número de manifestantes do último protesto (virtualmente inexistente fora de São Paulo), parece que o povo brasileiro também não é.

Nenhum comentário:

Postar um comentário