sábado, 15 de agosto de 2015

Aos cavalos ferais como eu

Mustang, cavalo feral da América do Norte.
Feral - fe.ral
adjetivo de dois gêneros
que fugiu da domesticidade e voltou à vida selvagem (diz-se de animal).


Descobri hoje que sou um cavalo feral. A sociedade me manteve domesticado por um período, mas assim que senti o gosto da liberdade, nunca mais deixei que me selassem. Ainda tentam, mas simplesmente não conseguem. Recuso-me a viver segundo normas que não fui eu quem estabeleci. Todo mundo que tenta montar em minhas costas é jogado ao chão, não importa o quão rico, o quão forte ou o quão determinado seja. Se tenta chegar silenciosamente por trás de mim é pior: leva uma doída patada. 

Aos outros cavalos sou uma espécie estranha. Eles invejam minha liberdade: o vento nas minhas patas, o sol na minha crina. Pobres deles, não sabem que são mais fortes que os homens que montam neles e que as cordas que os mantêm presos. Não fazem ideia do poder que temos e que, juntos, poderíamos subverter as regras e criar uma sociedade só nossa, onde a palavra de ordem seria a cooperação e não a competição. Não entendem que, na verdade, não desejam ter donos. Ninguém deseja. Mas seus espíritos foram quebrados pelos homens e, uma vez colocadas as viseiras em seus rostos, só conseguem olhar para a frente. Nem se lembram mais o que era ser um espírito-livre e desistiram de lutar contra as cordas que os prendem.

Será que um dia eles vão entender que são os animais ferais que mudam a sociedade? Ninguém nunca conseguiu nada ficando em seus estábulos preocupado com a grama de amanhã. Quebraram as cercas e os estábulos e foram à luta por maçãs. Preferem uma vida de suposto conforto enquanto são feitos de burro de carga ao invés de arriscarem lutar por uma vida melhor para si e para seus companheiros. Sim, espíritos-livres foram queimados em fogueiras ao longo da história, mas isso não impediu de maneira alguma que eles continuassem a existir, sonhando por um mundo melhor onde todos tivessem maçãs e os dias de comer grama fossem apenas uma lembrança terrível do passado.

Mas porque somos livres não significa que somos selvagens. Até os cavalos ferais deixam alguém montar neles, sabiam? No entanto, não é qualquer um. Quem quiser montar num cavalo feral tem que conquistar a confiança dele, demonstrar que não vai machucar sua manada e deixa-lo ir quando ele quiser ir. Tem que ganhar seu coração. Ao contrário, prepare-se para cair no chão. Nós, os espíritos-livres temos amigos e, embora poucos, são pessoas que se não pensam exatamente como nós ao menos respeitam nossa necessidade e nossa luta por liberdade. Nada nem ninguém pode nos subjugar!

Dedico esse texto a todos os cavalos ferais como eu, em especial à Maria Servalli da Rússia, onde me parece que é bem difícil pensar contra a maré e ser um espírito-livre.

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