sábado, 1 de agosto de 2015

Fariseia

Na madrugada do dia 2 de julho, a Câmara dos Deputados aprovou a redução da idade de responsabilidade penal de 18 para 16 anos para crimes hediondos. No dia anterior, a maioria dos deputados votou contra a medida pois acharam-na dura demais ao condenar jovens à cadeia por tráfico de maconha. Devem ter se lembrado que o hobby favorito da juventude burguesia da qual seus filhos e os filhos de seus financiadores fazem parte é fumar e traficar maconha. No dia 2 aprovaram uma redução considerada mais "branda", apenas para crimes hediondos. Durante a sessão de votação, um deputado chegou a falar em privatizar as cadeias em seu discurso, revelando a real motivação de ter votado a favor da medida. Afinal, ele deve ter sido financiado por uma empresa que está de olho nesse "mercado" e já está garantindo que hajam "mercadorias" para que a empresa que lhe financiou. Outro, o "mito" da direita fascistóide que emergiu no país a partir dos protestos de junho de 2013, disse com todas as letras: "tem que tirar os marginais da escola e colocar na cadeia".

De que forma a redução da maioridade penal vai trazer harmonia para o Brasil? Gregorio Duvivier bem lembrou em sua coluna semanal na Folha que os países onde há mais harmonia social são aqueles onde a diferença entre os mais ricos e os mais pobres são mínimas. São países como a Suécia, onde os políticos vão trabalhar de bicicleta e não recebem bolsa nenhuma (Contra essas bolsas nunca vi ninguém falar!). Onde os juízes, como qualquer outra categoria profissional, possuem um sindicato e devem negociar o reajuste salarial com o Ministério das Finanças. E de que forma reduzir a idade penal é agir em defesa da família e da vida, como afirma a Bancada Cristã? O ECA garante que os adolescentes em conflito com a lei permaneçam estudando, ou seja, eles ainda têm a possibilidade de virarem "cidadãos de bem" após cumprirem a medida socioeducativa. Na cadeia, estão expostos a criminosos cruéis, que com certeza lhes recrutarão para fazer parte das facções criminosas. Isso se não lhes estuprarem ou matarem lá dentro. É comum os presidiários transformarem os mais jovens e franzinos em "mulher" dentro da cadeia.

Além disso, a taxa de reincidência nos presídios brasileiros é de 80%. Ou seja, o menor vai entrar, vai se graduar na "universidade do crime" e, se sobreviver, provavelmente sairá dali pior do que entrou, apto para cometer crimes ainda mais cruéis. O que, muito provavelmente, provocará uma explosão nos já altos índices de criminalidade. Então, Bancada Cristã, o cristianismo não nos ensina a perdoar e dar uma segunda chance? Não foi Jesus que evitou que os judeus fizessem justiça com as próprias mãos contra uma mulher acusada de adultério? "Vá e não peques mais", disse a ela, dando-lhe uma segunda chance. Mas somos arrogantes, vivemos em nossos mundinhos de casa-escola-trabalho-shopping-clube e julgamos que as oportunidades são iguais para todos. Se você se der ao trabalho de sair de sua redoma, perceberá que não é bem assim. Alguém que está ao seu lado precisa trabalhar em dois empregos, fazer faculdade à noite, pegar cinco ônibus, enfrentar o assédio da PM quase todos os dias só para ter condições de estar ali. Mas perceber isso requer empatia e escuta ativa. E a maioria de nós se julga superior ao garçom, ao porteiro, à faxineira (e aos filhos deles).

Temos essa ânsia de justiça porque se trata de uma realidade distante da nossa. Eis a verdade que ninguém quer encarar: a culpa dos jovens cometerem crimes também é nossa, ainda que não diretamente. Não ajudamos ao próximo. E aí entra outro argumento de Duvivier: os bilionários não só financiam projetos sociais por caridade cristã, eles sabem que uma sociedade que ajuda aos pobres é uma sociedade mais harmônica, com menos roubos, menos mortes e menos caos social. E isso é ótimo para a economia. Mas se quiserem argumentos bíblicos, lhes dou: A Bíblia nos ensina que o próprio Jesus foi vítima de uma sociedade sedenta por justiça. Não deixaram de ridicularizá-lo até momentos antes de seu suspiro final. Depois foram atrás de seus seguidores. Estêvão foi apedrejado até a morte em Jerusalém. Por que, então, nós que nos dizemos um país cristão buscamos isso? O sofrimento do outro regozija-nos, como se o mal causado seria desfeito a partir do sofrimento do outro. A base do cristianismo é o perdão. Jesus perdoou um bandido que foi crucificado junto a ele, dizendo-lhe que ele estaria sentado junto com ele no colo do Pai após a morte.

Na Fariseia, os líderes se julgam superior a Deus, sendo capazes até de matar o filho Dele para saciar a sede de vingança da sociedade. A Bancada Cristã está mais para Caifás do que para Cristo, que perdoa a todos os pecados.

O pai da Liana Friedenbach, morta de maneira brutal em 2003 aos 16 anos de idade por um menor, não quer a redução da maioridade penal. O que a turma do "é porque você não é vítima deles" tem a dizer sobre isso? Indaguei vários por aí e se calaram. Quando hipócritas vêem atos cristãos de verdade, isso costuma ocorrer: se acovardam e se calam. De que adianta dizer-se cristão se a mensagem e o espírito de Jesus Cristo não está em você? Essa falta de empatia generalizada é uma característica típica de sociedades fascistas. A apatia à dor e ao sofrimento alheio levaram à execução de 6 milhões de judeus, 2,7 milhões de poloneses, 200 mil ciganos, 70 mil pessoas com deficiência, 9 mil homossexuais e 1,2 mil Testemunhas de Jeová na Alemanha. Parece que foi há muito tempo, mas foi só há 70 anos. Isso, considerando o tempo que os seres humanos habitam o planeta, não é nada. O fato é que os outros são os outros. Os jovens infratores, como as vítimas do nazismo, são os outros. Agora que criminalizamos a juventude, quem será o próximo bode expiatório da mentalidade farisaica que rege o fascismo tupiniquim? Sempre tem que haver um em momentos de crise econômica. É essa mentalidade mesmo que queremos seguir enquanto nação? Queremos construir um país com base na vingança ou na justiça? Na compreensão ou no ódio? O inferno não são os outros, somos nós mesmos, que ignoramos a complexidade da sociedade e buscamos respostas simples para problemas complexos.

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