segunda-feira, 31 de agosto de 2015

Não vou desistir

Ontem parei para pensar em todas as vezes que as pessoas me prometeram uma relação de cumplicidade e, no final das contas, me decepcionaram. Será que isso não justificaria a enorme dificuldade que tenho em fazer amizades e confiar nas pessoas? Será que isso não justificaria minha descrença no amor? Porque não são poucos os exemplos. O primeiro vem da minha avó. E não foi nada que ela tenha feito. Foi aquilo que ela não fez. Foram várias as oportunidades que dei a ela para termos relacionamento de avó e neto. Ela fazia questão da minha presença em sua vida, mas quando eu estava por perto, ela preferia dar atenção a outras coisas. Quando eu percebi que jamais teria o tipo de relacionamento que eu buscava, simplesmente parei de frequentar a casa dela. Por que eu me colocaria numa situação frustrante – e por vezes constrangedora – sendo que no final das contas não iria conseguir aquilo que eu buscava? Ela achava que poderia compensar a falta de atenção com dinheiro. Isso pode até funcionar para os outros netos, mas prefiro não me vender para ninguém. Assim sendo, há uma década não frequento mais a casa dela.

Na faculdade, passei não por uma – mas por duas situações semelhantes. Primeiro foi com uma menina um pouco mais nova e um tanto imatura emocionalmente. A gente se falava todo santo dia, fosse na faculdade ou no MSN Messenger. Passávamos horas a fio conversando, confidenciando segredos e compartilhando experiências. Quando meu avô morreu depois de passar semanas em coma num hospital como consequência de um atropelamento, ela se virou contra mim. E o motivo para isso não foi nada que eu fiz. Foi aquilo que eu não fiz. Vejam só: meu avó morreu no sábado de aleluia de 2009 e, quando eu fui à aula na segunda-feira – após a insistência da minha mãe e única e exclusivamente para fazer uma prova – ela me deu um ovo de Páscoa. Não dei conta de ter a reação de alegria que ela esperava de mim e, por causa disso, ela se voltou contra mim. Mesmo após eu ter tentado consertar as coisas comprando um ovo para ela também. De qualquer forma, não fiquei muito chateado com a situação após ter descoberto que ela faz isso com todo mundo.

Aborto foi o motivo para ela
pôr fim a nossa amizade. Ou
teria sido o pretexto?
Após o afastamento dela, passei a me relacionar mais com outra amiga nossa. Por vezes sentia-me um pouco explorado em nosso relacionamento, principalmente quando fazíamos trabalho em grupo, mas não ligava muito, pois é isso que amigos fazem, né? Ajudam uns aos outros porque sabem que, na hora de retribuir serão correspondidos. No entanto, ela não só nunca me correspondeu como ainda me cortou da vida dela por um motivo ainda mais ridículo do que a outra colega. Sempre deixei claro a ela – uma espírita fervorosa – que sou a favor do direito de escolha da mulher no que diz respeito ao aborto. Certo dia, no Facebook, o namorado dela entrou numa publicação da minha mãe sobre o tema e começou a bater boca com ela. No calor do momento, minha mãe excluiu-o de sua lista de amigos. Crime mortal para essa "amiga" minha, uma vez que ela só acredita em duas coisas na vida dela: na inviolabilidade da doutrina espírita e na infalibilidade do namorado (atualmente marido) dela. Confesso que até hoje tenho dificuldade em aceitar o espiritismo por causa dela, a única espírita fanática que conheci.

Depois disso veio o grande amor da minha vida, aquele que iria durar para sempre só que acabou pouco menos de dois anos após começar. Não sei porque infernos eu achava que tinha a obrigação de arranjar um namorado após ter saído do armário. Ao invés de aproveitar a liberdade recém- descoberta e viver as situações que eu não tive a oportunidade de viver durante a adolescência, fui caçar um namorado. Quatro meses após ter saído do armário já estava com um amor eterno. Um jovem doce e ingênuo. Ele tinha 18 anos e eu 22. Só quatro anos de diferença. Quatro anos que fizeram toda a diferença. Quando o conheci, ele trabalhava e fazia faculdade de Direito. Em pouco tempo, teria largado ambos. Como fazia com todo emprego que conseguia. Pelo menos ele ainda estuda, eu dizia a mim mesmo, sem me ligar para o fato de que ele havia trocado a faculdade de Direito por uma que não dá muito futuro. O relacionamento dele com sua família não era dos melhores; não era aceito pelo pai, era ignorado pela mãe e sabotado pelo padrasto. Logo me vi assumindo o papel de família dele.

Quando o relacionamento parou de me satisfazer, busquei viver todas as experiências que não vivi na adolescência. Teria sido melhor acabar de uma vez, mas continuei empurrando o relacionamento com a barriga por mais um ano. Pedia perdão pelos meus desvios e ele aceitava por conveniência, pois não queria voltar para a casa da mãe. Eu queria que desse certo, afinal de contas, era o meu primeiro homem eu o amava. E pensava que ele me amava também. No entanto, ele estava comigo mais pelas coisas boas que eu lhe proporcionava do que por qualquer outro motivo. Ele amava a atenção que ele não recebia na casa da mãe, as saídas para almoçar ou jantar, as idas ao cinema e as noitadas em boates. Certo dia, senti que ele estava escondendo algo de mim. Não queria me beijar. Não queria sequer que eu chegasse perto dele. Vasculhei o celular dele e descobri não só que ele havia me traído como estava apaixonado por outra pessoa. Eu estava tão esgotado emocionalmente que nem tive coragem de terminar com ele. Minha mãe ligou para a mãe dele e pediu que ela fosse tirar ele e as coisas dele lá de casa.

Depois disso, entrei numa depressão profunda que eu me recusava a reconhecer e tratar. A vida parou de fazer sentido. E isso perdurou enquanto eu ainda nutria a possibilidade de me reunir com essa pessoa que não me amava mais e que eu descobri mais tarde que fazia um esforço tremendo para esfregar na minha cara que estava bem. Foi preciso cortar os laços com ele. Mas isso não melhorou as coisas. Passei a buscar o afeto nos lugares mais improváveis possível e parei de me cuidar. Parecia-me, então, que o único amor verdadeiro que existia era o amor de mãe. Minha mãe, ao contrário de todos as outras pessoas, não desistiu de mim por um segundo. Depois de muita insistência dela, procurei ajuda e hoje estou bem melhor, emocional, mental e espiritualmente. De fato é o melhor amor que eu recebo. Minha mãe é a única pessoa nesse mundo que me ama sem exigir nada em troca. Esse sim é o amor eterno que tenho e que terei em minha vida. Uma pena ter sido preciso chegar ao fundo do poço para perceber isso.

Barry e Will.
Sim, é verdade que jamais haverá alguém que me amará como minha mãe. Entretanto, tive uma epifania há alguns dias enquanto assistia a um episódio de Will & Grace que, conforme afirmei anteriormente, foi minha primeira referência cultural enquanto adolescente gay nos anos 1990-2000. No episódio em questão, Will e Jack são incumbidos por Karen de ajudar o primo dela, Barry, um trintão introvertido que acabou de sair do armário, a se incorporar na comunidade LGBT de Nova York. Em determinada cena, eles estão numa boate gay e, ao falarem que Barry é ridículo, recebem a seguinte resposta do mesmo: "Vocês me chamam de patético, mas olhem para vocês. Tudo o que vocês se importam são com coisas superficiais. Eu não saí do armário para isso. Saí do armário para conhecer um cara e me apaixonar. E vocês, o que têm a me ensinar? Saíram do armário 15 anos antes de mim e ambos estão sozinhos. Quem é o patético?". Essas palavras me atingiram como um raio.

A minha maior motivação para ter saído do armário há 4 anos foi justamente essa! Não saí do armário para me refugiar em sexo casual ou para me preocupar com a carreira da Madonna sem ser intimidado. Tampouco saí do armário para afrontar alguém ou para me preocupar apenas com futilidades. Saí para ser eu mesmo e encontrar alguém que me ache interessante o suficiente para querer passar sua vida comigo. Se vai ser o resto da vida ou alguns anos realmente importa? Tenho 25 anos e já passei pela experiência de um casamento desfeito. Mas e daí? Isso realmente é o fim do mundo? Há pessoas que nem isso têm para contar. E acham que têm algo a ensinar para mim. Assim como Barry, prefiro ser acusado de ser patético por ter tentado buscar um relacionamento do que por nunca ter tentado. Mesmo que leve outros 25 anos para encontrar alguém que me ame por aquilo que sou e não por aquilo que posso oferecer, não vou desistir de procurar. Não posso ser covarde ao ponto de usar as experiências negativas do passado como um escudo contra o futuro.

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