sexta-feira, 16 de outubro de 2015

A repressão sexual no cinema

A guerra de igrejas cristãs às diversas formas de expressão do amor não vem de hoje. Em 1929, o filme Asas se tornou o primeiro a vencer o Oscar de melhor filme. Um dos últimos grandes sucessos do cinema mudo, foi também um dos primeiros sucessos da era da massificação da sétima arte. Justamente por causa isso, tornou-se alvo fácil das críticas de setores reacionários da sociedade americana. Primeiro por se tratar de um filme anti-guerra que, contrariando a doutrina Monroe, mostra como consequência principal da guerra a morte. Segundo por mostrar cenas de nudez masculina e feminina (em contextos não-sexuais) e, por último, por mostrar um beijo entre dois amigos (cena abaixo). Em momento algum o filme leva o espectador a pensar que ambos os personagens fossem homossexuais. No entanto, as pessoas que vêm de ambientes sexualmente repressores vêem sexo em tudo.

Conforme mais filmes como Asas eram produzidos e as pessoas viam mais cenas de nudez e violência no cinema, a Legião Católica pela Decência começou a pressionar os estúdios de cinema a adotarem um método de censura de seus filmes, o que até então ficava a cargo dos diretores. Em 1930, a Associação de Cinema da América (MPAA) começou a impor o que poderia ou não ser exibido no cinema. Até 1934 ainda eram incluídas nos filmes cenas de nudez em contexto não-sexual, mas, naquele mesmo ano, sob pressão intensa dos católicos, os estúdios - buscando evitar um boicote de católicos - decidiram colocar ninguém menos que o presidente da Legião Católica pela Decência, Joseph Breen, para ditar as regras da censura cinematográfica. Logo estabeleceu-se a contradição: produtores judeus fazendo filmes para um público majoritariamente protestante seguindo a moral católica.


Não bastasse o atraso que a Igreja Católica representou para as artes em geral durante os séculos V e XV, ela conseguiu ainda atentar contra a liberdade de expressão artística de diretores e roteiristas de cinema até 1968, quando a MPAA começou a adotar o sistema de classificação indicativa dos filmes que lança, em vigor até os dias atuais. Nesse ínterim, Asas acabou sendo proscrito como lembrança remota da América libertina. Uma de suas cópias foi redescoberta vários anos depois na Cinemateca Francesa em Paris. Além da perda de filmes "imorais", a censura também baniu a representação de questões de grande impacto na vida pessoal do público (como miscigenação, homossexualidade, prostituição, sexo pré-marital, DSTs e estupro) de um importante veículo de discussão social. No final das contas, a Igreja não se importa com as aflições de seus fiéis e da população em geral; de fato, preferiria que eles nem transassem e que todas essas questões não existissem.

Deixar de falar de homossexualidade, prostituição, sexo pré-marital, DSTs e estupro não vai fazer com que essas práticas desapareçam. Quem tentou esconder abusos sexuais de coroinhas e foi obrigado a pagar milhões de dólares em multas por causa disso deveria, no tempo presente, saber disso melhor do que qualquer um. Negar-se a tratar de temas importantes para os fiéis gera preconceito, no caso da homossexualidade e da prostituição e, no caso de estupro e DSTs, faz ainda mais vítimas. Como pode alguém negar-se a falar de sexo sob a justificativa de preservar vidas se é justamente a falta de conhecimento sobre a sexualidade humana que gera mortes - sejam elas por homofobia ou AIDS? A sociedade não aceita mais a imposição de doutrinas católicas. Caso continue se negando a perceber o impacto (positivo e negativo) do sexo na vida dos cidadãos do século XXI, a Igreja continuará negando parte da realidade e corre o risco de tornar-se obsoleta. Se aprendi algo com o papa Francisco é que nunca é tarde para se fazer auto-crítica.

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