domingo, 11 de outubro de 2015

Burrice e sadismo, marcas das redes sociais?

Venho acompanhando, há algumas semanas, o mais novo seriado de Ryan Murphy, Scream Queens. Uma mistura de terror e comédia, narra a história de uma irmandade universitária que começou a ser atacada por um serial killer. Como todo seriado de Murphy, há críticas sociais sutis em todos os episódios. O que mais me chamou a atenção, no entanto, é a crítica à passividade e à falta de empatia que as redes sociais causa nas pessoas. Já no primeiro episódio, a reitora da faculdade reclama dos smartphones, que possibilitam os alunos de compartilhar entre si as fotos dos crimes ocorridos no campus, coisa que 20 anos atrás, quando ela acobertou a morte de uma aluna, não seria possível. No episódio exibido na última quarta-feira pela FOX, os alunos descobrem a casa onde estão escondidos os corpos de todas as vítimas do serial killer e vão até lá para tirar fotos e compartilhar em suas redes sociais. Nenhum deles pensa, em momento algum, em ligar para a polícia. Que sociedade sádica é essa em que vivemos em que a tecnologia é usada para compartilhar fotos de cadáveres?

Muitos de vocês já devem ter se esquecido disso, mas há alguns meses, um guarda civil matou a namorada no Buriti Shopping. Os frequentadores do centro comercial tiraram dezenas de fotos da moça morta, que viralizaram. Eu recebi as fotos, sem pedir. Na época o meu WhatsApp carregava as fotos automaticamente e eu vi a moça morta e ensanguentada. Tive nojo da pessoa que me mandou as fotos. E fiquei com raiva dela quando descobri que eu não só conhecia a irmã da falecida como já havia trabalhado com ela. As pessoas não pensam nisso na hora de compartilhar as fotos? E se fosse parente de um amigo seu? No meu caso, era. E, mesmo que não fosse, odeio ver cadáveres, sejam os reais mostrados no Balanço Geral ou os fictícios mostrados no CSI. Penso que isso nos insensibiliza para a gravidade do ato de assassinar alguém; a morte não deve ser glamourizada ou pormenorizada e tampouco normatizada. Em minha formação, aprendi que a vida de um único ser humano é um milhão de vezes mais sagrada do que todas as propriedades do mais rico dos homens. Hoje em dia, no entanto, usamos as redes sociais para saciar nossas curiosidades mais mórbidas e até incentivar o assassinato, seja de índios ou da presidenta da República. Como se fosse aceitável matar pessoas.

A morte foi normatizada. Ninguém se escandaliza mais quando a Polícia Militar promove massacres que transformam o Brasil no segundo país que mais mata jovens no mundo, atrás apenas da Nigéria. Mais da metade da população brasileira concorda com a frase "bandido bom é bandido morto". A crise de segurança pública, causada em parte pela manutenção da estrutura da ditadura militar - civis no comando de investigações criminais e militares no comando da repressão (rechaçada pelos próprios policiais) -, gera na população a percepção de que somos todos vítimas dos bandidos e que somente o extermínio deles vai gerar a paz social. Como pode mais mortes gerar a paz? É como querer curar um corte na perna com a amputação da mesma. Toda ação gera uma reação proporcional em tamanho. Se a polícia reprimir mais violentamente o crime organizado, este último irá responder com ainda mais violência e, pronto, criamos um ciclo vicioso que parece não ter fim. O crime se resolve com política social. Por que a taxa de violência na Suécia é praticamente nula? Porque na Suécia existe uma série de benefícios sociais que evitam a população de cair na pobreza e na exclusão social gerada por tal situação. No Brasil, por outro lado, temos um governador que vai fechar 155 escolas públicas e, assim, criar um monte de possíveis candidatos para o crime organizado.

Não sou ingênuo de achar que investir na qualidade de vida do povo elimina por completo a criminalidade. Sempre existirão pessoas com problemas de caráter, em qualquer lugar do mundo. Mas os países mais pacíficos do mundo estão entre os que mais investem proporcionalmente em educação e assistência social. Adotar uma postura de guerra à criminalidade só vai gerar ainda mais mortes, em especial dos mais pobres, que muitas vezes não têm nada a ver com os bandidos e os policiais e só foram pegos no meio do fogo cruzado entre a polícia e o crime organizado. Sem falar no desperdício de dinheiro público que investir numa guerra já perdida para a criminalidade representa. A sensação que as pessoas têm é que é possível vencer os bandidos sem passar pela questão da desigualdade social. Me lembro quando, há vários anos, a Câmara Municipal de Goiânia discutia se os guardas civis poderiam carregar armas. Fui contra, porque sabia que essas armas poderiam cair nas mãos de pessoas mentalmente despreparadas para lidar com elas. Talvez se esse projeto de lei tivesse sido arquivado, a vida da irmã da minha ex-colega de trabalho pudesse ter sido poupada. Na ânsia de acabar com a criminalidade, a sociedade, representada pelos vereadores, autorizou que um machista com potencial assassino carregasse uma arma.

Boato espalhado no Facebook assassinou
Fabiane e desmamou sua filha de um ano.
O fato é que o ser humano é hipócrita. Quer o fim da corrupção, mas molha o bico de servidores públicos para conseguir aquele documento ou ficar livre daquela multa. Quer o fim da violência, mas está apto a se tornar um assassino e linchar alguém até a morte. Na baixada santista literalmente desmamaram uma bebê quando mataram a mãe dela, Fabiane Maria de Jesus, linchada. E por quê? Porque a página do Facebook Guarujá Alerta denunciou que havia uma mulher sequestrando bebês para realizar um ritual satânico na cidade. Um boato originado no Rio de Janeiro e que de vez em quando ressurge nas grandes cidades do país. Semana passada, na Índia, o WhatsApp foi usado por extremistas hindus para incentivar o assassinato de um muçulmano que supostamente tinha um freezer cheio de carne bovina (a vaca é sagrada no hinduísmo). A tecnologia é uma arma poderosa - já fez maravilhas como arrecadar verbas para dar próteses de mãos à jovem que teve os membros decepados pelo namorado e unir defensores do mesmo ideal que fizeram revoluções e, por outro lado, já espalhou boatos que causaram danos à imagem de pessoas e até mortes. Se realmente queremos um mundo mais pacífico, precisamos agir de maneira mais pacífica em todos os ambientes dele, inclusive o virtual.

Tu te tornas eternamente responsável por aquilo que compartilhas

A tecnologia é neutra, mas nós não podemos ser. Não podemos ser receptores passivos das informações que vimos nas redes sociais. Hoje mesmo li algo no Facebook que me causou tremenda vergonha alheia. Um comentarista da página Quebrando o Tabu - que defende a descriminalização do porte de maconha e trata de outros assuntos que afetam a vida político-social do Brasil - afirmou que Dilma Rousseff desviou 2 trilhões de reais. A arrecadação anual do Brasil é de cerca de um trilhão de reais. Então quer dizer que a presidenta desviou tudo o que o Brasil arrecada em impostos federais durante dois anos e nenhum órgão fiscalizador - TCU (que recentemente rejeitou as contas dela), MPF e PF - percebeu? Haja burrice para acreditar num boato desses! Se bem que o comentarista estava defendendo o Eduardo Cunha porque ele desviou "só" 2 milhões, então acho que ele rumina sim. O fato é que nem tudo que está escrito é verdade. Um papel mais ativo, de checar os fatos antes de passá-los adiante, evitaria até mortes. Antes de postar algo, escrever qualquer coisa, deve-se verificar a veracidade dos fatos e, acima de tudo, pensar nas consequências do que se está compartilhando. O meu receptor precisa mesmo ver corpos decepados? E se fosse o corpo decepado de um parente meu que estivesse viralizando? Chega de burrice e de sadismo nas redes sociais!

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