quinta-feira, 8 de outubro de 2015

Mais mudanças, mais futuro

Se o Brasil fosse um país que se levasse a sério, Dilma Rousseff seria encarada como uma grande presidente. Até mais do que seu antecessor. A mulher, uma burocrata de carreira que disputou sua primeira eleição em 2010, simplesmente sacrificou seu próprio governo para pôr fim a um esquema de corrupção que assolou a maior empresa estatal do país por mais de três décadas. Ela poderia muito bem, como deseja alguns petistas, nomear pessoas de seu partido para a chefia da Polícia Federal (PF) e da Procuradoria Geral da República (PGR) e varrer as denúncias para debaixo do tapete, mas se recusou. Fernando Henrique Cardoso, por exemplo, nomeou um diretor da PF filiado a seu partido e um procurador-geral que engavetou ou arquivou 459 denúncias contra políticos (194 deputados, 33 senadores, 11 ministros e o próprio FHC) e ficou conhecido como "engavetador-geral". O próprio FHC, que volta e meia sai de sua auto-reclusão para tentar derrubar governos petistas, declarou recentemente à imprensa alemã que Dilma é uma pessoa horada e que ela não admite desvios em seu governo.

No entanto, temos no Brasil dois cânceres que desvirtuam a política. O primeiro deles é o PMDB, que deixou de ser o partido do Pai da Constituição, Ulysses Guimarães, para ser o partido de bandidos como Renan Calheiros e Eduardo Cunha, o evangélico que gosta tanto de sua fé que se vale de sua igreja para lavar dinheiro. Que democracia é essa em que o maior partido do Congresso fez parte de todos os governos pós-ditadura militar? Aos políticos do PMDB não interessa quem esteja no poder e qual sua ideologia política e seus planos sócio-econômicos para o Brasil, desde que eles também estejam no poder. Como bem observou o ex-ministro da Fazenda e da Integração Nacional Ciro Gomes, "o PMDB quer espaço para roubar". Aí os presidentes permitem que o PMDB roube em troca de apoio no Congresso. Afinal de contas, trata-se da maior bancada no Congresso, que tem o poder de trancar votações e inviabilizar projetos políticos. Não por acaso, o único governo dos últimos 30 anos que não conseguiu a adesão do PMDB foi justamente o que caiu: o de Fernando Collor. Ao contrário do que apregoa a mídia, o rompimento do PMDB com Dilma tem muito mais a ver com a falta de espaços para roubar do que com a incapacidade de negociação da presidenta.

A mídia sequer finge mais ser imparcial.
Declaração feita em março de 2010, quando
 percebeu-se que Lula elegeria Dilma.
O outro câncer da política brasileira é justamente a mídia. Nos últimos 12 anos, os principais veículos de comunicação do país se especializaram cada vez mais em anunciar o fim do mundo. Toda e qualquer iniciativa do governo federal - mesmo aquelas que eram bastante louváveis e dignas de elogio até mesmo de membros da oposição, como o Bolsa Família, o Minha Casa, Minha Vida e o Mais Médicos - eram rechaçadas violentamente sem o devido equilíbrio com que a imprensa de países democráticos cobre sua política. Ambos Hillary Clinton e Donald Trump têm o mesmo espaço para apresentarem suas propostas ao público americano nas emissoras de notícias dos EUA, por exemplo, à exceção da FOX News, que se tornou a porta-voz dos indignados de extrema-direita. Mas lá a FOX News é exceção à regra, aqui o jornalismo partidarizado virou regra. Até o início do segundo mandato do presidente Lula tentou-se dar uma aparência de imparcialidade ao jornalismo brasileiro, mas então os donos de jornais perceberam que ele elegeria sua sucessora. Foi então que começou o partidarismo explícito até mesmo em veículos mais equilibrados como Globo News e TV Cultura, e eu perdi todo e qualquer interesse em seguir carreira na assessoria do PSDB, quer dizer, no jornalismo brasileiro.

Comportando-se como a mídia alemã às vésperas do incêndio do Reichstag, a imprensa nacional guia os brasileiros rumo ao precipício. Nos tratam como se fôssemos os ratos que seguem o flautista de Hamelin. E, apesar de terem cada vez menos influência na vida dos brasileiros, os veículos de comunicação ainda fazem o que podem para instaurar o medo e a confusão na população. Para isso, contam com a ajuda de Dilma, que além de ser uma péssima oradora, deixou um vácuo imenso no campo da comunicação institucional. Na primeira grande crise de seu governo, a imprensa valeu-se das confusas manifestações de junho de 2013, inicialmente contra a situação do transporte municipal, para amplificar a insatisfação contra o governo federal e a política em geral. O povo brasileiro não tem a cultura de protestar e o resultado disso foi a eleição do Congresso mais conservador da história recente do país, presidido por um deputado evangélico que propôs a criação do Dia do Orgulho Heterossexual. Não adianta tentar embelezar o ocorrido, como ingenuamente faz o PSOL; a realidade é que aquele movimento foi o responsável por tirar a extrema-direita não só do armário como também de casa. A intenção pode até ter sido boa, mas de boas intenções o inferno está cheio.

Foi nesse momento que Dilma propôs o fim do financiamento privado de campanha, com a finalidade de se criar no país um novo sistema político, onde os eleitos devam mais satisfações a seus eleitores do que às empresas que financiam suas campanhas. Ela encontrou, no entanto, a resistência ferrenha de - adivinhe quem? - deputados peemedebistas. A imprensa, por sua vez, pormenorizou a grande reforma que estava sendo proposta. Tínhamos ali uma oportunidade única de transformarmos a política brasileira, mas logo a moda de sair de casa com a cara pintada de verde e amarelo e postar fotos no Instagram com a hashtag #VemPraRua passou. E, no ano seguinte, tivemos a campanha mais cara da história - talvez até do planeta. No final das contas, as Jornadas de Junho não passaram de uma revolta juvenil; quando eu era adolescente, brigava com meus pais sem nem saber direito o porquê, era duramente repreendido e saía da sala com a sensação de que havia ganhado a briga pelo simples fato de ter tido a coragem de enfrentar as maiores figuras de autoridade que eu conhecia. Depois é que fui descobrir que a vida não funciona bem assim, que nem tudo se ganha no grito e que várias vezes precisamos de paciência para conquistarmos o que desejamos.

Suspeito que a decisão de Dilma de atender ainda mais os anseios dos rentistas tenha surgido em algum momento da campanha eleitoral do ano passado. Ela sentiu que precisava acalmar o mercado financeiro e, para tal, começou a atacar benefícios previdenciários dos trabalhadores, entre outros. A presidenta pensou ser possível pôr fim à animosidade crescente contra seu governo através de uma política de concessões à elite. Erro grave. Se nem um governo apoiado pelas massas trabalhadoras como o de Jango conseguiu sobreviver à pressão da elite, por que Dilma achou que era se afastando dos trabalhadores e concedendo - ainda - mais à elite que ela conseguiria se sustentar no poder? Não que a elite não esteja curtindo o ajuste fiscal, mas o do PSDB sempre será mais lucrativo para ela. Sem o apoio da elite e cada vez mais distante dos trabalhadores, Dilma cava sua própria cova. O fato é que, assim como em 1954 e 1964, chegamos numa encruzilhada. Quando Vargas não conseguiu mais conciliar os interesses de trabalho e capital, preferiu dar um tiro peito a retroceder nas conquistas populares. Jango, por sua vez, viu-se obrigado a fugir do país.

Só há dois caminhos para sair da encruzilhada. Ou o Brasil avança ainda mais nas garantias de direitos para todos através de reformas estruturantes há tempos negligenciadas ou voltamos a ser um país de poucos. Em 1964, no contexto da Guerra Fria - que hoje olavetes tentam recriar - e com a ajuda da mídia monopolista, a escolha foi a última opção e retrocedemos 21 anos. Será que Dilma percebeu o que está em jogo?  Penso que, ao invés de xingá-la, deveríamos todos nós - eleitores dela ou não - que desejamos que nossos filhos vivam num país cada vez menos injusto, exigir uma mudança de rumo em seu governo. E, diferentemente de junho de 2013, não abandonarmos as ruas. Assim como Ciro, creio que se for para governar para o povo, o povo defenderá Dilma. Tirá-la do poder, no atual momento, só engrossaria o coro dos hipócritas que se diz indignadíssimo com a corrupção durante a campanha para votar contra o fim do financiamento empresarial da política - justamente de onde se origina toda a corrupção na política brasileira. Como bem apontou Joaquim Barbosa, "eles (PSDB e PMDB) só pensam numa coisa: no dinheiro das empresas".

Se o lulismo está defasado enquanto alternativa real de poder,
imagine o fernandismo, que fez do Brasil o vice-campeão
mundial em desemprego.
Se realmente tiver ocorrido algum desvio durante a campanha de Dilma, que o TSE multe o PT e possamos seguir em frente com a confiança de que isso nunca mais ocorrerá, afinal de contas o financiamento privado de campanhas é uma página virada da nossa história (assim espero!). Diplomar Aécio Neves não só não resolveria o problema da corrupção como criaria ainda mais dificuldades econômicas, sobretudo para os mais pobres. Se o lulismo já está defasado enquanto alternativa real de poder para o país, imagine você o fernandismo! Escolher um novo rumo, pelo menos para mim, não envolve a volta ao passado, ainda mais um de juros a 45% ao ano, dólar a 7 reais, inflação a 12% ao ano e vice-campeonato mundial em desemprego. Quer verdadeiramente "mais mudanças, mais futuro". Se não for com Dilma, que seja com outro em 2018. Gostando das medidas dela ou não, ela foi eleita pela maioria e deve governar até o final de seu mandato. A despeito do que pensa uma minoria de lunáticos, vivemos numa democracia e a maioria da população concorda e aprova essa forma de governo.

P.S.: Se você não concorda com as regras do jogo, não jogue. Se for para apelar e querer que as coisas funcionem do seu jeito, é só não jogar, ou seja, votar. A multa nem é tão cara assim.

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